Pular para o conteúdo principal

A calamidade da distribuição de gibis

Em sua coluna para o site do The New York Times de 26 de janeiro deste ano, George Gene Gustines alertava para algumas medidas extremas aplicadas pela Diamond Comic Distributors que atingiriam, principalmente, as pequenas editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, e, cujos reflexos começarão a ser sentidos logo mais, a partir de março.

A Diamond é a empresa que monopoliza a distribuição dos quadrinhos por lá, e por meio do seu catálogo Preview faz a ligação entre as editoras, os lojistas e os leitores. Diferente daqui, onde as editoras imprimem suas tiragens tomando por base a popularidade de cada título, resultados anteriores de vendas, e em orientações e acordos propostos pelas distribuidoras; na América, as editoras costumam produzir o número de exemplares de cada título (expostos no Preview) em cima dos pedidos confirmados pelos leitores nas gibiterias, ou “comic shops”, como são chamadas pelos americanos.

Com a queda cada vez mais vertiginosa nas vendas de gibis, a distribuidora força agora um aumento no valor do advanced, uma espécie de adiantamento pago pelas editoras à distribuidora para a execução do serviço, além de um aumento substancial nas tiragens, para melhor cobrir espaço territorial.

A estimativa é de que por volta de 40 editoras independentes sejam afetadas diretamente pelas mudanças, e que venham a sofrer reveses irreparáveis em seus já mirrados lucros. Para conglomerados como Marvel e DC isso não será grande problema, no máximo, alguns títulos menos conhecidos poderão desaparecer.

Algumas das pequenas já pensam na possibilidade de viabilizar gratuitamente suas séries via internet, para, em momento futuro, compilar um arco de histórias e vender num encadernado, o que lhe daria uma margem de lucro razoável. Ao que parece, o fim dos gibis de linha se anuncia – pelo menos para aqueles títulos que não estão sob a chancela das grandes companhias.

Em A Era de Bronze dos Super-Heróis, tracei a trajetória do visionário Phil Seuling, que ficou do final dos anos 1960 até o começo da década de 1980 batalhando pela melhoria da distribuição de comic books na esperança de tornar os mesmos em produto digno de figurar em espaços exclusivos, não enfurnados atrás de revistas de moda, de mulher pelada ou de passatempos, nas desleixadas prateleiras de farmácias e armazéns. Como resultado de seus esforços pioneiros, surgiram as comic shops, as minisséries e as graphic novels. Tudo para enobrecer a tão amada – e ainda desprezada por muitos – Arte Seqüencial. Porém, a coisa degringolou, e Seuling, quem sabe, ainda deu uma revirada no túmulo... por puro desgosto.

Pois é, aqui no Brasil muito se falou em organizar a distribuição de quadrinhos nos mesmos moldes do “Mercado Direto” americano, mas nunca, sequer, chegamos perto disso. Para não sermos injustos, a Opera Graphica bem que tentou – lá pelo começo desta década –, aplicar o seu sistema “HQ Club” usando a loja Comix de São Paulo como distribuidora de seus álbuns especiais. Mas a coisa sempre operou no velho esquema da consignação, ou seja: imprime primeiro, e depois vende o que consegue, gerando encalhe. Infelizmente não deu certo. A grande maioria das lojas brasileiras não tem cacife, clientes interessados o suficiente, e estrutura para comportar um sistema estilo Mercado Direto.

Falando em encalhe, mesmo editoras grandes como a Panini, possuem tiragens bem aquém do que se via em outras épocas, ou mesmo em comparação à de revistas de outros gêneros; o que propiciou a bizarra “Distribuição Setorizada”, que nada mais é que repassar o encalhe dos grandes centros para as praças mais distantes. As bancas até estão repletas de gibis, mas dificilmente você encontra um ponto desses com todos os títulos lançados no mês.

Mesmo com duas grandes distribuidoras (e algumas pequenas à la KamiKaze), o mercado brasileiro de Quadrinhos insiste na sofisticação de suas publicações, seja na temática, seja no acabamento gráfico. Nada contra isso, claro, mas não devemos abrir mão das lições que vêm de fora – como esse caso do elitista (?) Mercado Direto americano, que poderá desmoronar a qualquer momento, tornando-se o curral monopolista dos grandes “latifundiários editoriais”.

Estamos produzindo revistas em quadrinhos para quem, afinal?

© Copyright Roberto Guedes

Comentários

Anônimo disse…
Talvez você possa me explicar uma coisa que não entendo Guedes. Como um país tão pujante, tão capitalista, baseando suas crenças em competição e concorrência, consegue ter um serviço, que a meu ver não é pequeno, monopolizado. Porque ninguém mais se interessa em distribuir as revistas por lá? Não deve ser fácil, mas é um setor que deve ter um bom lucro, pois é monopólio, não?
Quanto à sua questão, vou considerar como uma pergunta retórica, pois não tenho uma resposta satisfatória para ela. Abração,
Andre Bufrem
Sandrão disse…
Acho que a saída para o mercado americano é uma distribuição mais abrangente e fora do controle da Diamond.
Gibi de linha tem que ser barato e fácil de encontrar e não algo segmentado para poucos afcionados.
A Marvel não tinha fechado um acordo com uma rede de Supermercados para a distribuição de suas revistas de linha? Peo que li h´algum tempo seriam 6 mil novos pontos de venda.
Sabe de alguma coisa?

Abraço
Sandro
Roberto Guedes disse…
Sandrão, até onde sei, a distribuição em supermercados seria de TPs (encadernados) como os da linha Essential, que reprisam histórias antigas. Seria uma boa se reamente infiltrassem revista atual de linha nesses pontos, mas talvez haja o risco de não se encontrar o "público-alvo" neles. Afinal, já faz tanto tempo que gibi deixou de ser uma coisa popular nos States que é capaz do "povo" estranhar...

---

André, monopólio é assim: ninguém reclama quando a maré está boa. Mas quando começa a tempestade...
Anônimo disse…
Obrigadíssimo Roberto.Impostantíssima informação.
(FR)
Claudio Basilio disse…
Pois é, meu caro... Também li essa notícia que você postou e comentou no seu blog, e sinceramente tem horas em que eu fico desesperançado. Infelizmente hoje o "grande negócio" da Marvel e da DC Comics é licenciar as suas marcas para outras mídias (cinema, games) ou então para produtos como lancheiras e brinquedos, e não vender gibi em comic shops ou mesmo em supermercados. E, pelo visto, aqui no Brasil a coisa não é muito diferente, já que não faz nem um ano que as duas grandes distribuidoras brasileiras - a DINAP e a Chinaglia - se fundiram em uma única empresa, chamada Treelog. Do jeito que a coisa anda, daqui a pouco gibis publicados em papel serão apenas uma vaga lembrança perdida na memória dos velhos fãs.


P.S.: Eu sei que o John Byrne é um cara chato pra cacete, mas no seu fórum ele fez algumas considerações interessantes sobre o atual estado do mercado americano. Caso alguém queira saber qual é a opinião do veterenao desenhista, é só acessar o link abaixo:

Byrne Robotics
DanielHDR disse…
Comento sempre com meus alunos. Essa situação precisa ser contornada com a Internet. Acho o trabalho do pessoal do QUARTO MUNDO muito importante neste sentido, tbem!

Amigo, posso reproduzir este artigo no website do meu curso? ( www.cursodequadrinhos.com.br ). Acho que seria mto pertinente!

Abraço!
Roberto Guedes disse…
Claro, Daniel. Fique à vontade.

---

Basilio, obrigado pelo link. A opinião de Byrne é deveras importante.
Anônimo disse…
Quadro complexo!
Calamidade na distribuição, editoras menores sendo esmagadas, as grandes editoras com vários títulos de qualidade duvidosa, além de suas mega-sagas marketeiras.
Então fiquei me perguntando: Como vamos fazer para trazer os novos leitores?
Tenho uma visão de que outras mídias podem trabalhar a favor do universo dos quadrinhos. Eu mesmo - depois de anos afastado do mundo dos gibis – voltei depois que o Sam Raimi colocou o amigão da vizinhança na telona. De cara já não gostei do que li, mas é aquele negócio – já tinha sido fisgado novamente. Interessei-me, então, por outros títulos e as edições clássicas. Creio que as mídias podem coexistir, e isso de quebra, ainda trazer uma nova safra de leitores para os quadrinhos - mas aí já não sei se a turma no comando tem essa real vontade.
Talvez muito dessa queda nas vendas venha do fato dos quadrinhos estarem perdendo sua alma. E olha que gosto de algumas abordagens recentes, como: Ultimate Spider-Man, Thunderbolts, Supreme Power, etc.
Tomando o Aranha como exemplo novamente: Um personagem que desde 2002 - com filmes, jogos, etc – está no topo da mídia, vem sofrendo a cada dia com a perda de leitores. Por quê? Ora, todo dia fazem uma grande mudança que vai do nada a lugar nenhum, além de descaracterizá-lo cada vez mais em histórias de baixa qualidade. O que o Joe Quesada – e também o Straza - entendem do Peter, cabe em um guardanapo de papel (vide Pecados Pretéritos e Um Dia a Mais). E depois vem com essa de que vai resgatar a essência do personagem e tal. Se o editor-chefe de uma das gigantes dos quadrinhos – então, uma das pessoas mais influentes do ramo – não entende que seu maior herói foi construído por uma ação que não pode ser desfeita, logo, uma história onde esse mesmo personagem faça um caminho inverso é simplesmente a maior desconstrução que esse arquétipo poderia sofrer, devemos ficar mesmo de cabelos em pé.
Bom, essa é a humilde opinião desse leitor de quadrinhos.

Abraços!

Wendell
Gerson_Fasano disse…
A queda nas vendas é um conjunto de fatores, e não apenas um em particular. Mas essa atitude da Diamond é colocar o time para marcar gol contra.

Não consigo entender a longo prazo o que isso trará de beneficio.
Anônimo disse…
Gibi é um supérfluo caro demais.

Comprava gibis ao equivalente a R$0,50, em sebos, quando comecei a me interessar por quadrinhos. Recentemente quis comprar um fanzine de R$1,00 pela comix e o frete cobrado foi de R$10,00. Desisti.

Sei lá o que acontece nos EUA. Imagino que lá o mercado não cresça porque as tiragens limitadas por pedidos não renova leitores, não cativa a compra oportunista. Parte do pressuposto de que os leitores serão sempre os mesmos. Estanca a rotatividade de leitores. Vê números onde há pessoas.

Talvez seja apenas um golpe de monopolização, das grandes editoras, como os grandes bancos fizeram em 1929.

Talvez os quadrinhos do 'baixo clero' americano não sejam tão bons assim...

O Obama é quem vai ter quer resolver tudo isso! :)
Gabriel Rocha
Roberto Guedes disse…
Gabriel, Gérson e Wendell,

Suas considerações são bem pertinentes. Parece que quanto mais se leva gibi a sério, mais ele (o gibi) corre o risco de sumir de vez das prateleiras, não é?

Está ou não faltando gente mais "desencanada" nas redações, hein, people?
José Valcir disse…
Vejo que o problema de distribuição não é privilégio só nosso. Os Estados Unidos sofrem de mesmo mal. Mas, esquecendo eles, como poderíamos resolver o nosso? Fazendo uma distribuição independente, criando uma rede entre os que auto se editam, não seria uma saída? Um debate sobre essa questão onde se levantaria pontos importantes sobre distribuição, custo, pagamento, retorno sobre resultado, resposta de leitor (se for o caso), poderia dar certo? E se puséssemos essa questão em pauta e discuti-la, poderia dar certo? Só tentando para descobrir.