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A história não lembrada de Batman

A primeira imagem desta mensagem faz parte da página splash da revista Batman 208 (janeiro/fevereiro de 1969), dos estertores da Era de Prata. É a primeira e única aparição de uma tal “sra. Chilton”. Uma história muito interessante que recontou a origem do Homem-Morcego, desenhada por ninguém menos que Gil Kane, e escrita por E. Nelson Bridwell.

Essa edição foi especial, com mais páginas, e intercalou texto e arte inédita com material antigo, para explicar diversos pontos do rico background do herói acumulados durante anos até aquele momento. No decorrer da trama, você fica com a impressão de que a velhinha é maluca. Mas ela realmente não está brincando quando diz que é a “mulher mais importante” da vida do Morcegão. Pode apostar que sim. Mais que Marcia Monroe, Julie Madison,Vicki Vale...

O fato é que essa desconhecida sra. Chilton era uma governanta do Dr. Philip, tio de Bruce Wayne. “Sei...”, está você sussurrando meio desconfiado, não é? Bem, foram esses dois que acolheram o jovem Bruce quando Thomas e Martha Wayne foram assassinados pelo assaltante na saída do cinema.

Chilton era obcecada pela figura misteriosa do Cruzado Embuçado e mantinha um álbum de recortes com notícias do vigilante, notadamente, de seus casos com mulheres famosas: Julie Madison, Hera Venenosa, Mulher-Gato etc. Por isso, quando Batman começou a atuar em Gotham City, ela sacou na hora que ele só poderia ser Bruce Wayne, lembrando, entre outras coisas, de seu dramático juramento na cova dos pais. Porém, Bruce não tinha idéia de que ela sabia de seu segredo – e de tabela, o de Dick “Robin” Grayson também.

Bah... grande detetive...

Mas a bomba vem agora: a distinta sra. Chilton era a mãe de dois criminosos que cruzaram a vida de Bruce (e que, quando enveredaram pelo crime, mudaram o sobrenome): Max e Joe Chill. O primeiro, morreu durante um confronto com Batman muito tempo antes. Já o segundo... tratava-se do próprio assassino dos pais de Bruce. Sim... ele mesmo!

Por ironia das ironias, a mãe do assassino do casal Wayne foi quem criou o desesperado órfão. Anos depois, Joe Chill seria novamente reapresentado na primeira minissérie (em três partes) do Vigilante de Gotham Untold Legends of Batman, que por aqui a EBAL publicou como A Legenda de Batman numa única edição. Porém, não houve nenhuma referência ou citação à dona Chilton.

Talvez haja uma explicação para isso. Nas páginas de Detective Comics 457 (março de 1976 – data de capa), Denny O’Neil e Dick Giordano introduziram a personagem Leslie Thompkins na cronologia de Batman, como a mulher que acolheu Bruce logo após a morte dos pais, e que, em posteriores retcons, seria definida como àquela que, ao lado do mordomo Alfred, criou o garoto.

A história com a estréia de Leslie é bem comovente, e mostra o lado mais humano do personagem principal. Aqui no Brasil, foi publicada pela primeira vez quase em seguida pela EBAL, em Batman 3ª série 78 (abril de 1976), como “Não há escapatória no Beco do Crime” (o mais apropriado seria “Não há esperança no Beco do Crime").

Essa HQ, sem dúvida, acabou por suplantar em importância a anterior da Sra. Chilton. Além do mais, o fato de O'Neil ter comandado as revistas de Batman por vários anos, também contribuiu, de algum modo, para o desaparecimento de Chilton.

O que entendo disso, é que, assim como Chilton foi ignorada pelo pessoal da DC, toda a história do Batman também foi adaptada e/ou adulterada no decorrer das décadas seguintes. Principalmente a partir de 1985, com a publicação da supersérie Crise Nas Infinitas Terras.
De acordo com meu chapa do HQManiacs, Leonardo Vicente, até mesmo Joe Chill chegou a ser “apagado” da continuidade DC nos anos 1990, para voltar com tudo, mais recentemente, em outra série: Crise Infinita.

Como a onda na DC Comics é resgatar velhos conceitos das Eras de Bronze, Prata e Ouro, resta-nos a esperança de que alguém por lá se lembre da coitada da sra. Chilton – que não criou bem o seu filho, é verdade, mas que fez um bom trabalho com Bruce, convenhamos –, e a encaixe em algum lugar dessa complicada, mas não menos fascinante, batcontinuidade.

Este texto foi redigido originalmente em 2008, para algumas listas de bate-papo sobre Quadrinhos, sendo revisado e atualizado pelo próprio autor.

© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.

Comentários

Anônimo disse…
É verdade, grande Guedes, eu lembro deste texto sobre a Sra. Chilton. Muito boa a sua lembrança de reapresentá-lo aqui.
Abração do

Cesar Brito
Mais uma vez, delícia de texto e... putz, que delícia o trabalho do Gil Kane.
As vezes me questiono se a gente é que tá ficando velho, nostálgicos, ou se esses caras da década de 50, 60, 70 eram realmente extraordinários ou não.

Abração Guedes.

Seabra
Anônimo disse…
Bem que a Panini podia lançar essa história da dona Chilton em um especial qualquer...
Carlos
Anônimo disse…
Pô, não leio um gibi do Batman já faz uns 10 anos. Mas essa história eu leria com todo o prazer!
Roberto Guedes disse…
Amigos, obrigado pela participação. Sem dúvida, Gil Kane era genial (!)... e essa história, claro, merecia uma republicação - até para fazer jus à sua importância.

Abraços!
Gerson_Fasano disse…
Gil Kane era um dos meus desenhistas favoritos, sensacional.

O problema dessa hq do Batman, com a chegada da Leslie é que realmente ficariam incompativeis no seu passado. Ou talvez cada uma tomasse conta dele em um período diferente. Mas o problema é o que acontece logo após as mortes dos pais do Bruce.

O cargo de "pai" do Bruce sempre foi do Alfred, o papel de mãe é que se discute. Eu acho que hoje ficaria meio complicado encaixá-la como mentora do Bruce, mas não impossível.

E talvez tenham "apagado" os filhos dela, por causa dos conflitos que trariam na cronologia, se bem que isso já foi pro espaço faz tempo....

Mais uma pérola que o Guedes nos trouxe.
Roberto Guedes disse…
É verdade, Gersão. Leslie e Chilton são, de certa maneira, personagens conflitantes em termos de continuidade.
Abração!
Anônimo disse…
Assinando embaixo do comentário do gersão.
"Mais uma pérola".
Muito bom Guedes.
Continue com suas revelações.
Andre Bufrem
Criou bem o Bruce??

mas como isto, TODOS os meninos que ela criou são invariavelmente malucos!
Roberto Guedes disse…
Obrigado pelas palavras, André!
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Cassiano, sob certos aspectos você está coberto de razão! (rs)

Abraços!
Unknown disse…
Sensacional matéria, me lembrou a Tia Harriet, do seriado de 1966 (apenas na aparencia) a profundidade desse personagem nem se compara...Fico no aguardo também de que alguém resgate essa personagem, mas eu nunca tinha ouvido falar...isso se não resgatarem a Tia Harriet antes kk.
Roberto Guedes disse…
Fala, Denis! Quem não se lembra da simpática tia Harriet Cooper, hein? Vale aqui contar algumas curiosidades a respeito da personagem. Muita gente pensa que ela surgiu no seriado televisivo de 1966, mas na verdade estreou dois anos antes nos gibis. A inclusão dela se deu numa tentativa da DC de replicar o relacionamento familiar que existia nas HQs do Homem-Aranha, no caso, de Peter Parker e tia May. Assim, Harriet surgiu como a tia do jovem Dick Grayson.