Quem teve a oportunidade de ler o livro A Guerra dos Gibis (Companhia das Letras, 2004) de Gonçalo Junior, soube que Adolfo Aizen, o pioneiro dos Quadrinhos no Brasil não era baiano de nascimento, mas sim, russo. Ou melhor, judeu russo.
Tal revelação, em princípio, pode parecer de pouca relevância, ainda mais quando o principal enfoque dessa obra era outro. A saber: a censura imposta aos Quadrinhos nos seus anos formativos em nosso país. Contudo, tal informação jogou nova luz à gênese de nosso mercado editorial, principalmente a uma de nossas principais editoras de todos os tempos.
No caso em questão, ao nascimento da EBAL – desde sempre, uma sigla para “Editora Brasil-América Ltda”. Mas seria apenas isso mesmo?
Preste atenção! A palavra “Ebal” está grafada no livro de Deuteronômio (o 5° do Antigo Testamento), como o monte em que Deus Todo-Poderoso ordenou a Moisés que edificasse um altar. É citado também no livro de Josué, o profeta que substituiu o líder dos judeus após sua morte.
“Será, pois, que, quando houveres passado o Jordão, levantareis estas pedras, que hoje vos ordeno, no Monte Ebal, e as caiarás.” [Deuteronômio: 27:4]
“Depois Josué construiu um altar ao Senhor Deus de Israel no Monte Ebal, tal como Moisés mandara e está escrito no livro das suas leis: O Senhor diz para lhe levantarem um altar no Monte Ebal, feito de pedras inteiras e que nunca tenham sido esculpidas. Então os sacerdotes ofereceram holocaustos e sacrifícios de paz ao Senhor sobre o altar. E na frente de todo o povo de Israel Josué gravou sobre as pedras do altar cada um dos dez mandamentos.” [Josué: 30-32]
Pois bem, não há como não enxergar um paralelo entre a história de Adolfo Aizen (um judeu que teve de atravessar o mar com sua família, fugindo de sua antiga terra para tentar a sorte num país desconhecido), com a dos judeus cativos no Egito. Os mesmos judeus que, liderados por Moisés, atravessaram, literalmente, o mar na esperança de alcançarem a Terra Prometida.
É muito comum ouvirmos estrangeiros referirem-se a América (e ao Brasil, em particular) como a “Terra Prometida”, um lugar para se vencer na vida. Foi assim com os italianos, portugueses, espanhóis, asiáticos e, claro, com os judeus também.
Portanto, em vez de uma simples sigla, “EBAL” poderia ser também uma referência direta ao monte Ebal do Pentateuco. Uma singela homenagem de Aizen a uma das mais importantes passagens da história de seu sofrido povo.
Às 14h24 do dia 5 de setembro de 2006, eu encaminhei este texto – descompromissado e de caráter puramente intuitivo – para três listas de bate-papo simultaneamente (Marvel BR, DC Brasil e Gibihouse), desencadeando no processo, uma infinidade de comentários inteligentes, reflexivos, fervorosos, opinativos, indignados, exultantes e até mesmo ofensivos.
Alguns lembraram com propriedade, que o próprio Aizen odiava o “apelido” EBAL, imposto pelo apelo popular, e até mesmo Naumim, filho de Aizen, alertou que o pai jamais comentou com ele ou aos seus irmãos que a origem do nome da editora remontava à passagem bíblica.
Todavia, o patriarca das HQs no Brasil também não contou aos filhos de sua origem russa, evidenciando, quem sabe (?), que há muitos mistérios que cercam as mais diversas decisões dos homens ao longo de sua trajetória na Terra.
Em última análise (pelo menos aqui), é importante ressaltar que editora é uma empresa que lida essencialmente com o conhecimento na forma de palavra escrita; e que o conhecimento da origem da humanidade foi transmitido a Moisés por meio da palavra do Senhor Deus de Israel. Palavra esta, inicialmente cravada em pedra, ou melhor, ESCRITA.
Um caso a se pensar, sem dúvida.
© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.
Amigo, se você foi leitor da saudosa EBAL, participe da enquete (localizada na lateral desta página) “Qual é o melhor título da EBAL de todos os tempos?”, e depois envie sua mensagem comentando o texto acima, e, caso queira, o voto também.
Comentários
John
Muito bom essa informação. Jamais imaginei que pudesse ou houvesse alguma ligação entre o nome da editora com a passagem bíblica. Dou-lhe meus parabéns por essa informação. Além da relação entre a saída dos judeus saindo do Egito com a do Aizen saindo da Rússia. Muito arretado, meu amigo. Essa matéria mereceria ser publica na revista Mundo dos Super-Heróis a fim de ampliar o conhecimento ao público leitor.
---
Gérson, de acordo com o próprio Naumim, seu pai não teria idéia de um monte chamado Ebal. Todavia...
---
Orlando, john e Valcir: obrigado pelas participações e comentários.
Abraços a todos!
Parabéns de novo, e continue nos brindando com esses maravilhosos artigos quadrinísticos.
Beijos.
Guedão, acho que depois da Bloch, RGE e EBAL só falta você fazer uma matéria falando da Marvel na editora Abril. Que tal, intrepid one?
Carlos
Sempre nos surpreendendo.
Abraço.
Já votei na enquete!
Acabei de receber da Budd Art Books a Alter Ego (+ Cap. Marvel Jeff Smith+ Flash Gordon Al Williamson + Joe Kubert desenhando do natural + Galeria de cartunistas se auto-caricaturando)especial Cap.Marvel. Tem desenhos do nosso amigo Roy Thomas lá (hauhuahuahuahuha), vc sabe se ele já publicou a carica que fiz dele?
Super braço
---
Birão, minha coleção da Alter Ego anda bem defasada (oh, my... ainda bem que Roy não lê português - rs)...
Mas tenho um desenho feito por The Boy quando ainda era... hã... a little boy. Surgindo a oportunidade, coloco aqui no blog.
Quanto às recomendações do Aizen, vejo que ele acertou, afinal, você é hoje um tremendo artista.
Abraços coletivos!!!
É que do pouco que tenho de edições Ebal, a maioria esmagadora delas são do Superman e do Superboy, então não tive como fugir hehe.
Essa relação da sigla Ebal com citações religiosas vai permanecer para sempre um mistério. MNas na minha opinião tem tudo a ver, afinal Editora Brasil América Ltda, não é um nome muito óbvio para uma editora, né?
Acho que nesse mato tem coelho...
Os Judeus são muito religiosos, a chance da suposição do Guedes ser correta é grande.
Abraço.
Andre Bufrem
Só pra variar você dá uma verdadeira aula. Eu conheci o Aizen pessoalmente, quando acertamos para fazer a adaptação de Casa Grande & Senzala para as HQs. Naquele tempo eu não tive coragem de indagar ao proprietário da EBAL sobre o "famoso" Código de Ética que vinha impresso nas revistas por ele publicadas.