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45 anos depois do primeiro crossover Marvel/DC

Todo mundo está careca de saber que o primeiro encontro entre Marvel e DC Comics ocorreu em 1976, com a edição tabloide que uniu Superman e Homem-Aranha na mesma história. Desde então, o leitor teve a oportunidade ver os X-Men se confraternizarem com os Novos Titãs, Galactus se encontrar com Darkseid, os Vingadores saírem no tapa com os Justiceiros etc., etc., etc. Pois é, não faltaram crossovers – aquela palavrinha mágica que usamos ao nos referirmos a esses deliciosos caça-níqueis das editoras norte-americanas.

Mas houve uma época em que isso não era lugar-comum, e os autores tinham de sambar para atender, criativamente, o anseio dos leitores, que queriam, porque queriam, ver seus heróis favoritos atuando juntos. Questões contratuais e de direitos autorais não permitiam essas histórias – pelo menos até Stan Lee e Carmine Infantino (então, Publisher da DC) se sentarem pra firmar o encontro do Cabeça-de-Teia com o Azulão –, então os roteiristas se valiam de subterfúgios meio que “pilantras” pra satisfazer a rapaziada.

Em publicações satíricas como Not Brand Echh (Marvel) e Inferior Five (DC), era normal ver reflexos cômicos dos superseres de ambas as companhias – uma reminiscência pra lá de inspirada no embate Superduperman vs. Captain Marbles, do genial Wally Wood pra MAD 4, lá atrás, na pré-história dos Comics.

Um pouquinho mais sério, por exemplo, o fanboy Roy Thomas criou um grupo de vilões, o Esquadrão Sinistro, cujos membros eram contrapartes escarradas dos carinhas da Liga da Justiça, pra combater os Vingadores, enquanto Jack Kirby transformou Jimmy Olsen, numa versão verde e sardenta do Incrível Hulk pra encher de bolacha a cara de Clark Kent.

E quando Neal Adams e outros malucos começaram a desenhar os heróis de uma editora no gibi da outra – geralmente, isso acontecia em histórias que se passavam durante a parada do Halloween em Rutland, organizadas por Tom Fagan – a ideia geral era algo como “Afinal, o que vocês estão esperando pra fazer um crossover de verdade?”

Bem, enquanto eles esperavam Stan e Carmine (hunf... na época, esses dois viviam se encontrando num botequim muito mal frequentado por roteiristas e desenhistas de HQs só pra saber onde é que seria a farra do próximo final de semana), aqui no Brasil um encontro pra lá de inusitado entre um herói da Marvel e outro da DC já havia acontecido... em 1964?!

“Oh, mas como?” está tu indagando, não é? Bem, isso aconteceu precisamente em 1964, nas páginas do Almanaque do Globo Juvenil da RGE, editora do megaempresário (já falecido) Roberto Marinho, e que hoje atende por Editora Globo. Tratou-se do encontro entre o Tocha Humana original dos anos 1930 (criado por Carl Burgos), com o Capitão “Shazam!” Marvel. Na trama, o herói flamejante era dado como desaparecido há décadas, prisioneiro que estava de um vilão inescrupuloso, até ser resgatado pelo formidável Big Red Cheese. Juntos, partem para a ação, enfrentando o maquiavélico Cobra – um inimigo em comum criado para a trama.

Em 18 páginas de história consta apenas a assinatura do artista Rodrigues Zelis. Um roteiro pra lá de amarradinho, numa história até que bem desenhada para os padrões da época. Diversão garantida, que fez muito leitor brasileiro exultar de alegria.

Vale alguns esclarecimentos aqui: na ocasião, a editora carioca ainda publicava as histórias da Família Shazam. Mas, aparentemente desencanada com o fato de que nos Estados Unidos a Fawcett, detentora dos direitos autorais de Capitão Marvel havia cessado a produção de novas histórias de Billy Batson e sua trupe, a RGE continuou a editar gibis desses personagens até 1967. Em 1973, a DC Comics adquiriria os direitos deles todos e suas novas aventuras seriam então, reproduzidas no Brasil pela EBAL.

Embora irregular do ponto de vista legal, esse encontro dos dois personagens chamou a atenção do fandom americano, até recebendo comentários elogiosos na excelentíssima Alter Ego de Roy Thomas, em artigo assinado por meu chapa, o grande pesquisador John G. Pierce – uma das maiores autoridades mundiais em se tratando da Família Shazam.

Após quase cinco décadas de seu lançamento original, será muito difícil encontrar um exemplar desse raríssimo almanaque dando sopa em algum sebo encardido por aí. É pouco provável também que tanto DC quanto Marvel decidam “legalizar” a história, para então, encaixá-la num encadernado qualquer. Fruto do momento oportuno, de uma época bem menos complicada – quando o mundo era maior e mais divertido – o encontro entre Capitão Marvel e o Tocha Humana original é uma coisa que não pode ser repetida, apenas entendida como um fato que transcende o histórico e alcança o patamar de mito.

© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.

Comentários

Anônimo disse…
Que maravilha! Não conhecia essa história. Curiosidade das curiosidades, Roberto.

Lécio
Anônimo disse…
Que legal Guedes.
Gostei do visual do Cobra.
Também não sabia desta história.
Abraço.
Andre Bufrem
Anônimo disse…
Só fui tomar conhecimento desse cross em seu livro "A saga dos super-heróis brasileiros", junto com a "Chamada Geral" da Ebal e dos X-Men do Malagola. Não sabia que os brasileiros já produziam histórias dos heróis americanos há tanto tempo. Bem lembrada essa data: puxa, 45 anos não é pouco.
Bira disse…
Muito legal mesmo essa história, Guedão!
E pra quem quiser ver minha homenagem ao Dia do Quadrinho Nacional (onde aparece o Meteoro), clique aqui:
caricasdobira.blogspot.com/
Anônimo disse…
Amigo Roberto,

A very good article. Thanks for mentioning me!

John
Gerson_Fasano disse…
Infelizmente é o tipo de encontro que nunca mais vai se repetir. Mesmo. Como você mesmo disse, o mundo era maior, as noticias, as novidades demoravam para chegar, muito era "oculto".

Fico imaginando como foi que surgiu a idéia desse crossover, a equipe criativa, de quem partiu o estalo. Já imaginou se fosse do RM pessoalmente ? putz...

E 45 anos é tempo pra caramba, e esse resgate de datas que você faz aqui no seu Blog é que acho um dos maiores e melhores diferenciais.

É sempre bom aprender com quem entende.
Anônimo disse…
Fala Guedão!

Mais um belo artigo hein? Que legal!!!
Cara, eu gostaria muito de conhecer o Capitão Marvel - ler suas histórias clássicas - e também adoraria ler o Esquadrão Sinistro e Supremo (eram grupos distintos não?) criado pelo Roy, bem como, o Esquadrão do Mark Gruenwald.
Falando neles - creio que a abordagem era diferente - mas na minha humilde opinião o melhor trabalho do Straczynski na Marvel foi com esse grupo. Infelizmente tudo acabou de forma abrupta.

Abraço chapa!
Anônimo disse…
Um resgate surpreendente! X-men e Thor do Gedeone, Chamada Geral, e essa agora do Capitão Marvel com o Tocha Humana original. É muito interessante conhecer essas HQs exclusivas produzidas no Brasil!

O que mais andaram fazendo por aqui?! A curiosidade está aguçada!

Gabriel Rocha
Roberto Guedes disse…
Gabriel, mais ou menos na época dos "X-Men da GEP", a brasileira Triestre também produziu HQs de Nick Fury. Anos antes, Luiz Rodrigues desenhou pra La Selva edições do Mosca (The Fly). Veja o artigo que escrevi pro site HQM "A incrível história dos X-Men" (link na lateral direita do blog) para maiores detalhes.

Durante anos, a própria RGE lançou HQs do Fantasma feitas por brasileiros. Na verdade, a lista é extensa, e boa parte do material brasileiro realmente foi licenciado, casos do Zorro (da Disney), Falcon, Jaspion, He-Man etc. No livro "A saga dos super-heróis brasileiros" há um apanhado geral dessas versões brasucas.

Wendell, você pode conferir a estréia do Esquadrão Sinistro no álbum Os Maiores Clássicos dos Vingadores vol. 3 da Panini. Confira neste link:

http://www.guiadosquadrinhos.com/edicao.aspx?cod_tit=ma011200&esp=&cod_edc=34960

Esses caras eram vilões, ao contrário do Esquadrão Supremo, que eram heróis da Contra-Terra, um planeta igual a Terra, mas do outro lado do Sol, criado pelo Alto Evolucionário. Cortesia de Roy Thomas, em resposta às múltiplas Terras da DC.

Gérson, obrigado pelas palavras generosas.

Abraços a todos!
Anônimo disse…
Olha só, tava procurando uma informação sobre o Capitão Marvel, e ao chegar neste link da Wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Capit%C3%A3o_Marvel_(DC_Comics) veja só qual link eu vejo lá no final, nas referências...

:)
Roberto Guedes disse…
Olha aí: no final das contas, tudo converge para o Manifesto. (rs) Brincadeirinha...

De qualquer maneira, valeu pela dica, Borbão!