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Entre a farda e o escudo

Em julho de 1971 chegava às prateleiras Captain America 139, escrita por Stan Lee e desenhada por John Romita, anunciada como um "momento decisivo" na vida do Sentinela da Liberdade. Nela, Steve Rogers atenderia o pedido de um comissário para se disfarçar como policial a fim de investigar o desaparecimento de mais de uma dúzia de oficiais em Nova York. O herói aceitou a missão e ingressou como patrulheiro num distrito que tinha como comandante maior o linha-dura Sargento Muldoon, que logo de cara não simpatizou com Rogers.

À medida que o tempo passava esse sentimento se acentuava, pois os constantes “sumiços” de nosso herói irritavam muito o sargento – a verdade é que Rogers continuava atuando como Capitão América simultaneamente ao seu "papel" de policial. Eventualmente, foi revelado que Muldoon estava ligado a negócios escusos e que os desaparecimentos dos oficias foram causados pelo supervilão Gárgula Cinzenta, um criminoso com a habilidade de transformar as pessoas em pedra com um simples toque de sua mão direita.

Com a promoção de Stan Lee à função de Publisher da Marvel Comics e de John Romita à de Diretor de Arte, Gary Friedrich (depois Gerry Conway) e Sal Buscema os substituíram na seqüência da saga. Mas Conway ficaria apenas algumas edições, tornando-se logo, o substituto de Lee nas páginas de Amazing Spider-Man. Foi então, que o novo editor-chefe Roy Thomas convocou Steve Englehart para assumir o título. Englehart era um novato na editora, mas já chamava a atenção com seus roteiros nas histórias do Fera em Amazing Adventures:

"Roy gostou de meu trabalho, e, após alguns meses, pediu-me para escrever Captain America e Avengers [...] A revista do Capitão estava para ser cancelada, mas depois de seis meses comigo, tornou-se a mais vendida da Marvel!"

Apesar do aparente exagero nessa declaração – ainda mais se levarmos em conta que o gibi do Homem-Aranha manteve-se como o grande best-seller do mercado durante toda aquela década – a entrada de Steve Englehart no comando dos enredos em Captain America marcaria definitivamente o período como o mais fértil e inovador na carreira do "bandeiroso" personagem, trazendo à tona a história do "outro" Capitão América, a "revelação" de que o presidente americano (Richard Nixon) era o líder do Império Secreto (evocando ao então contemporâneo "Caso Watergate"), e a transformação de Steve Rogers em Nomad – e você pode acompanhar tudo sobre o Capitão de Englehart, com riqueza de detalhes, no livro A Era de Bronze dos Super-Heróis, caro intrepid one!

Essas histórias de Steve Rogers como policial, escritas por Lee, foram republicadas no Brasil pela EBAL ainda na primeira metade dos anos 1970, na série em cores do personagem. A Bloch saltou essas e a Abril só publicou uma ou outra. Os desenhos de Romita nunca estiveram tão vistosos, e o papel alvo branco das revistas de Aizen valorizou sobremaneira sua arte belíssima. Com certeza, uma reedição bonita desse material seria uma boa pedida, já que os exemplares da EBAL devem estar bem caros por aí. Ou então, se você não se importar de ler em inglês e em preto-e-branco, pode encomendar o 3º volume da coleção Essential com alguma loja virtual.

As últimas HQs escritas por Lee na revista do Capitão – já nos anos de Bronze –, são freqüentemente subestimadas pela "crítica", mas posso te garantir que, mais uma vez, The Man explorou com maestria os conflitos de um herói Marvel – e daquela maneira peculiar, simples e divertida, como só ele sempre foi capaz de fazer.

Ora, pois, enquanto Peter Parker sofria para conciliar estudo, profissão e amor com a sua vida de vigilante; e o Poderoso Thor se descabelava por amar os terráqueos tanto quanto seus irmãos asgardianos; Steve Rogers se via às voltas com uma dualidade gritante: “agente da lei” ou “defensor da liberdade”?

Quem deu a resposta final foi Englehart, mas, tomando como exemplo a fala que Stan Lee certa vez colocou num balãozinho do Capitão, saberemos o que ele pensava sobre o tópico também: “Eu, que passei a vida toda lutando pela lei... talvez... devesse ter lutado menos... e questionado mais!”.

© Copyright Roberto Guedes

Comentários

Anônimo disse…
Devemos seguir a lei.
Mas isso não nos impede de questioná-la, pois, em alguns momentos a lei pode não ser justa.
O texto me lembrou Rosa Parks, me lembrou Martin Luther King e me lembrou também a força de um sonho.
Guedes, parabéns por mais um belo texto.
Abraços, Wendell.
Anônimo disse…
Eu tinha essas revistas da EBAL. Eram muito legais mesmo. Que saudades...
Anônimo disse…
Essa capa é muito emblemática, Guedes. Você a estampou no livro da Era de Bronze, certo? Sempre achei legal essas histórias, porque mostrava o conflito de Steve como representante da lei vigente e de lutador pela liberdade. Foi nesse período que o Falcão mudou a cor de seu uniforme, lembra?
Carlos
Roberto Guedes disse…
Isso, o Falcão mudou de uniforme nesse período. Foi sua primeira manifestação de "independência" ao Capitão. A Hq foi desenhada por Gray Morrow.

Wendell, fico lisongeado pelas comparações.

Abraços!
JJunior616 disse…
A Panini podia nos presentear com essa saga em que o Capitão "bandeira" vira Nomade!!!
Roberto Guedes disse…
Boa pedida, Júnior. Lá fora, a fase do Nômade foi republicada recentemente, tanto em cores, quanto em P/B. Portanto, o material já foi devidamente digitalizado e está disponível para as editoras estrangeiras interessadas.
Gerson_Fasano disse…
Uma das melhores fases do Romitão, sem sombra de dúvida,
sempre achei que ele estava bem inspirado nessa época. Será
que é porque ele Voltou
a desenhar a série de forma mais constante depois de alguns
anos ? E uma hq que ficou bem legal a arte foi uma hq do Capitão
logo no começo da saga do Falcão, e que tem o desenho do Romitão
com a arte-final do Sal Buscema.

O Capitão voltando a ter uma identidade civil, com responsabilidades,
saindo da mansão dos Vingadores (pelo que lembro ele ainda
andava por lá... ou já teria saído antes ?), e principalmente
se questionando sobre o que fazia. Algo que de certa forma
muitos de nós já se perguntaram, seja profissionalmente,
pessoalmente e etc.

Isso empre foi o diferencial para que os leitores sempre
se identificassem com algum personagem.

Como a Panini está republicando muito material, sempre resta uma
pontinha de esperança.

Falando do Titio Stan, qual foi a última hq escrita por ele antes
de virar Publisher ?
Roberto Guedes disse…
Fala, Gérson!
A última HQ do Capitão escrita por Stan Lee naquela época foi "The Unholy Alliance!" para a edição 141.

No Brasil, saiu em Capitão Z especial 9 (novembro/dezembro de 1973), pela EBAL. Se alguém souber como essa HQ foi chamada em português, por favor, informe aqui.
Gerson_Fasano disse…
Por aqui saiu com o nome: "A Incrível Aliança".
Anônimo disse…
Poxa. Um dos melhores textos do Guedes, e só vejo agora?
Essa fase me marcou muito, na minha opinião seria um dos próximos Grandes Clássicos do Capitão. Acredito que logo logo conseguimos essa republicação, ainda mais com a aproximação do filme do capitão, onde, seguindo à regra, sia um Biblioteca e um Grandes Clássicos, do personagem envolvido no filme.
Abraço.
Andre