E lá se vão 35 anos desde que Homem-Aranha e Capitão América iniciaram uma jornada diferente, e muito divertida, longe das páginas sóbrias da Editora Brasil-América (EBAL), do pioneiro Adolfo Aizen. Tudo começou em fevereiro de 1975, quando os direitos desses dois grandes personagens passaram para uma outra editora, a Bloch Editores – até então, pouco afeita às Histórias em Quadrinhos, e conhecida por suas revistas de notícias Manchete e Fatos & Fotos. Seu fundador, o ucraniano de origem judaica Adolpho Bloch, vislumbrou as possibilidades comerciais de se investir nas HQs, e fez sua oferta para a Marvel Comics, já na ocasião, líder do mercado americano no segmento.
Wilson Vianna, sua "secretária mirim"
Dr. Polvo? De vez em quando
O clube enviava pôsteres gratuitos para quem se filiasse ou abrisse uma conta-poupança nas agências da Caderneta Grande Rio; dava entrada franca a vários espetáculos; patrocinava eventos esportivos, como jogos de futebol de salão, e gincanas em supermercados como Jumbo-Eletro; sorteava revistas e agendava visitas às escolas com Vianna e sua turma nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Mas se no marketing vinha dando um banho de competência, a Bloch derrapava – e feio – em várias medidas no campo editorial. Para os leitores mais velhos, por exemplo, era simplesmente imperdoável a decisão da editora em republicar as histórias de vários personagens que já haviam saído pela EBAL. Com certeza, isso deve ter influenciado para o cancelamento precoce de Namor (nº 10), Homem de Ferro (nº 15), Hulk (nº 16) e Thor (nº 17). Apesar dessa argumentação, o gibi do Cabeça-de-Teia, também repleto de reprises, tornou-se de fato, o título de maior duração, com 33 edições lançadas.
Já séries com vasto material até então inédito no Brasil, como Vingadores (nº 10), Ka-Zar (nº 7), Defensores (nº 5), Punhos de Aço (nº 5), Tocha Humana (nº 14) e Capitão América (nº 20) duraram bem pouco também. Outro problema apontado como “vilão” eram as cores berrantes que davam um aspecto feio às revistas. Em conversa com o experiente editor e quadrinista Franco de Rosa, este esclareceu o seguinte: “[...] os gibis da Bloch serviam para ‘limpar’ as máquinas. Ou seja, depois que imprimiam Manchete e Fatos & Fotos sobrava muita tinta e como os gibis eram em formatinho, dava para imprimir vários de uma vez só. É por isso que tinham àquelas cores berrantes!”
"Uma pá de super-heróis!"
Tal informação é bastante relevante até para concluirmos o porquê de tantos anúncios publicados nos gibis não baterem com as recordações que os leitores da época (me incluo nesta categoria) têm do lançamento de cada edição, já que não havia registro nenhum quanto às datas no expediente das revistas. É o caso do jornalista Gonçalo Junior que, ao tomar conhecimento da informação de Franco, comentou comigo: “Sim, creio que rodavam várias revistinhas ao mesmo tempo. Lembro de uma delas cujo anúncio do concurso Garelli já havia expirado o prazo há tempos. E mais: a Bloch passou meses repetindo um anúncio da revista Geográfica Universal 6 em suas quartas capas [...]” – o que deixa evidente que a editora rodava tudo de uma vez só, edições de meses futuros, mas as distribuía apenas no tempo previsto de cada uma.
Imagine, então, quantas edições adiantadas a Bloch não imprimiu para “limpar” o cilindro da máquina após a impressão de uma Manchete que, por sinal, era semanal. Para reforçar a tese do problema de impressão, em carta enviada a este autor pelo colecionador e pesquisador Antônio Luiz Ribeiro, transcorre que segundo o editor da linha de quadrinhos da Bloch, Edmundo Rodrigues, em conversa com Marcos Moraes (ex-funcionário da EBAL e proprietário da Gibimania, importante loja de quadrinhos carioca): “[...] quando a Bloch lançou a Marvel em 1975, os desenhos ‘paradões’ estavam a todo vapor no programa do Capitão Aza, mas quando deixaram de passar na TV, as vendas das revistas sofreram uma queda, mas não o suficiente para cancelar os gibis.”
Ainda Edmundo, em depoimento a Gonçalo para o artigo “A história secreta da Marvel no Brasil”, publicado na edição comemorativa Marvel 40 anos no Brasil (lançada pela Panini em 2007), garantiu que as revistinhas de super-heróis da Bloch não vendiam mal, porém os números não atendiam as expectativas de Adolpho; com exceção de um ou outro título, como Homem-Aranha e O Homem de Seis Milhões de Dólares – a saber, o campeão da editora, com média de 90 mil cópias vendidas por exemplar. Baseado na famosa série televisiva também conhecida por aqui como “Cyborg”, essa revista, porém, tinha uma periodicidade bem irregular, devido provavelmente, ao pouco material original, licenciado pela Charlton Comics. Em sua última edição, autores nacionais tiveram de colocar a mão na massa.
Ótimas HQs que jamais foram
Com o tempo, quase ninguém falava mais em “Clube do Bloquinho”, mas a interatividade entre editora e leitores continuava. Quer dizer, lá do jeito da Bloch, é claro, que em suas seções de cartas só costumava colocar a resposta dos leitores, o que mostrava, quem sabe, o perfil infanto-juvenil de seu público. Na edição 29 do Homem-Aranha, o leitor Aldenor Peixoto de São Paulo recebeu esta pérola: “[...] não precisa ficar chateado só porque o Homem de Ferro, o Demolidor, o Tocha Humana e outros saíram de circulação. No lugar deles (que por sinal devem estar passando as férias nos Estados Unidos e podem voltar a qualquer momento) ficaram Os Trapalhões, O Homem de Seis Milhões de Dólares, o Mestre do Kung Fu e o Homem-Aranha!”
Ao longo de 1978 os títulos da Marvel iam sendo cancelados. Últimas tentativas com Motoqueiro Fantasma e Doc Savage, e uma retomada com o Incrível Hulk (aproveitando o sucesso da série televisiva com Lou Ferrigno e Bill Bixby) provaram-se infrutíferas.
Ribeiro ainda lembrou que Edmundo preparava a segunda edição de Bloquinho Xerloque (com Doc Savage) e, pasme Os Campeões – heróis de sucesso efêmero nos Estados Unidos, mas que angariou muitos fãs no Brasil, quando da publicação de suas histórias a partir do ano seguinte, nas páginas de Heróis da TV da Editora Abril –, mas não chegou às vias de fato.
Da mesma maneira que Adolpho Bloch teria, anos antes, dado uma rasteira em Aizen ao tomar os heróis Marvel da EBAL, levou também um revide de Roberto Marinho, empresário todo-poderoso, que levou Homem-Aranha e companhia para sua editora, a Rio Gráfica (RGE). Os primeiros gibis de Homem-Aranha e Incrível Hulk nessa nova casa editorial chegaram às bancas em fevereiro de 1979, apenas um mês depois da última edição do Homem-Aranha pela Bloch. Em seguida, a Abril entraria no páreo também (mas essas são outras histórias, que você poderá acompanhar aqui).
Em entrevista cedida a mim e publicada no fanzine Status Quo Comics nº 1 em 1989, o tradutor e colecionador Jotapê disse: “[...] a própria Marvel cancelou o contrato com a editora brasileira.”, e é bem provável, mesmo, que a quebra de contrato tenha partido dos americanos, já que boa parte dos heróis não vinha sendo aproveitada pela Bloch por puro desinteresse, conforme atestou o editor da RGE, Felipe Ferreira, a Gonçalo.
Com o tempo, em alguns títulos de horror, as histórias originais acabaram substituídas por quadrinhos nacionais, casos dos títulos da Múmia e Lobisomem, que traziam material produzido por Rubens Lucchetti, Julio Shimamoto e Flavio Colin. Rodrigues, um importante desenhista de HQs na década anterior, investiu pesado na produção brasuca, em gibis como Aventuras Macabras, Os Trapalhões e Drácula. Até mesmo Jerônimo, o Herói do sertão sofreu um comeback, em três edições reprises com arte do próprio editor.
Apesar dos tropeços e mancadas ao longo de seus quatro anos administrando a Marvel aqui no Brasil, a Bloch marcou a infância e adolescência daqueles que tiveram a oportunidade de acompanhar a empolgação e efervescência da editora na segunda metade dos anos 1970. Hoje, seus exemplares são disputados no tapa em sebos e lojas virtuais, devido à grande procura por parte dos colecionadores e pesquisadores da Arte Seqüencial.
Afinal, o que é um gibizinho da Bloch para essa gente? Objeto de estudo sócio-cultural, de pura indignação, ou o despertar de um gostoso sentimento nostálgico? Nostalgia, creio eu, de uma época melhor, mais simples e feliz, que, com certeza, não voltará mais.
Da mesma maneira que a sua contemporânea, a música Disco, a Bloch deixou saudade em quem viveu seu período, e o desprezo de quem nunca a entendeu.
© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.
Essa matéria foi publicada originalmente em 6 de junho de 2007 no site Bigorna, sob o título “Nos tempos do Clube do Bloquinho”; revisada e atualizada aqui pelo próprio autor.
Se você foi leitor da Bloch, não deixe de participar da enquete ao lado, “Qual foi o melhor título da Bloch?”, e de comentar seu voto e a matéria.
Wilson Vianna, sua "secretária mirim"
Danielle, e o diretor da Bloch Moyses Weltman,
formalizam convênio entre o Clube do
Capitão Aza e o Clube do Bloquinho.
Os argumentos de Bloch eram irresistíveis: títulos individuais para cada um dos personagens, mesmo para os menos populares e expressivos; e revistas totalmente coloridas, ao contrário da EBAL, que publicava em preto-e-branco (exceto os mesmos Homem-Aranha e Capitão América, que tiveram série em cores, mas de curtíssima duração). Outro diferencial em relação à editora anterior se deu com a redução no tamanho das revistas, com a implementação do “formatinho” (20,5 x 13,5 cm), o que, em princípio causou certa estranheza e insatisfação geral por parte dos leitores, acostumados que estavam em apreciar os desenhos em páginas maiores.
Os argumentos de Bloch eram irresistíveis: títulos individuais para cada um dos personagens, mesmo para os menos populares e expressivos; e revistas totalmente coloridas, ao contrário da EBAL, que publicava em preto-e-branco (exceto os mesmos Homem-Aranha e Capitão América, que tiveram série em cores, mas de curtíssima duração). Outro diferencial em relação à editora anterior se deu com a redução no tamanho das revistas, com a implementação do “formatinho” (20,5 x 13,5 cm), o que, em princípio causou certa estranheza e insatisfação geral por parte dos leitores, acostumados que estavam em apreciar os desenhos em páginas maiores.
Direto da Itália, via Corriere
della Sera.
A medida, aplicada há tempos pela Editora Abril em suas revistinhas Disney, mostrou-se economicamente mais viável, ainda mais quando o Governo Militar de então, começou a controlar a importação do papel e a encarecê-lo, a fim de manter a imprensa escrita sob seu controle. Claro, quanto menos publicações fossem lançadas, menor seria o risco do Estado de ser achincalhado. No final das contas, as demais editoras, mesmo a EBAL, também assumiriam o “formatinho” para não irem à bancarrota.
A campanha de lançamento do Aranha e Capitão foi realizada por meio de um encarte chamativo nas revistas Manchete, Fatos & Fotos e Amiga, englobando títulos como Super-Gato Félix e Bloquinho, com os personagens Escovinha, Porfírio, Buck Zé e Supermino (de origem européia), adiantando aos leitores que os gibis de Hulk, Thor, Namor, Homem de Ferro, Tocha Humana e Mestre do Kung Fu viriam na esteira.
A campanha de lançamento do Aranha e Capitão foi realizada por meio de um encarte chamativo nas revistas Manchete, Fatos & Fotos e Amiga, englobando títulos como Super-Gato Félix e Bloquinho, com os personagens Escovinha, Porfírio, Buck Zé e Supermino (de origem européia), adiantando aos leitores que os gibis de Hulk, Thor, Namor, Homem de Ferro, Tocha Humana e Mestre do Kung Fu viriam na esteira.
A excitação foi instaurada entre os fãs com as chamadas no programa infantil de Wilson Vianna, vulgo Capitão Aza, transmitido pela TV Tupi. Capitão Aza tornou-se, portanto, o patrono do saudoso “Clube do Bloquinho” – uma espécie de versão tupiniquim do fã-clube oficial dos Heróis Marvel de Stan Lee, o Merry Marvel Marching Society.
Dr. Polvo? De vez em quando
a Bloch trocava nomes e cores
dos personagens.
O clube enviava pôsteres gratuitos para quem se filiasse ou abrisse uma conta-poupança nas agências da Caderneta Grande Rio; dava entrada franca a vários espetáculos; patrocinava eventos esportivos, como jogos de futebol de salão, e gincanas em supermercados como Jumbo-Eletro; sorteava revistas e agendava visitas às escolas com Vianna e sua turma nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.
Mas se no marketing vinha dando um banho de competência, a Bloch derrapava – e feio – em várias medidas no campo editorial. Para os leitores mais velhos, por exemplo, era simplesmente imperdoável a decisão da editora em republicar as histórias de vários personagens que já haviam saído pela EBAL. Com certeza, isso deve ter influenciado para o cancelamento precoce de Namor (nº 10), Homem de Ferro (nº 15), Hulk (nº 16) e Thor (nº 17). Apesar dessa argumentação, o gibi do Cabeça-de-Teia, também repleto de reprises, tornou-se de fato, o título de maior duração, com 33 edições lançadas.
Já séries com vasto material até então inédito no Brasil, como Vingadores (nº 10), Ka-Zar (nº 7), Defensores (nº 5), Punhos de Aço (nº 5), Tocha Humana (nº 14) e Capitão América (nº 20) duraram bem pouco também. Outro problema apontado como “vilão” eram as cores berrantes que davam um aspecto feio às revistas. Em conversa com o experiente editor e quadrinista Franco de Rosa, este esclareceu o seguinte: “[...] os gibis da Bloch serviam para ‘limpar’ as máquinas. Ou seja, depois que imprimiam Manchete e Fatos & Fotos sobrava muita tinta e como os gibis eram em formatinho, dava para imprimir vários de uma vez só. É por isso que tinham àquelas cores berrantes!”
"Uma pá de super-heróis!"
Tal informação é bastante relevante até para concluirmos o porquê de tantos anúncios publicados nos gibis não baterem com as recordações que os leitores da época (me incluo nesta categoria) têm do lançamento de cada edição, já que não havia registro nenhum quanto às datas no expediente das revistas. É o caso do jornalista Gonçalo Junior que, ao tomar conhecimento da informação de Franco, comentou comigo: “Sim, creio que rodavam várias revistinhas ao mesmo tempo. Lembro de uma delas cujo anúncio do concurso Garelli já havia expirado o prazo há tempos. E mais: a Bloch passou meses repetindo um anúncio da revista Geográfica Universal 6 em suas quartas capas [...]” – o que deixa evidente que a editora rodava tudo de uma vez só, edições de meses futuros, mas as distribuía apenas no tempo previsto de cada uma.
Imagine, então, quantas edições adiantadas a Bloch não imprimiu para “limpar” o cilindro da máquina após a impressão de uma Manchete que, por sinal, era semanal. Para reforçar a tese do problema de impressão, em carta enviada a este autor pelo colecionador e pesquisador Antônio Luiz Ribeiro, transcorre que segundo o editor da linha de quadrinhos da Bloch, Edmundo Rodrigues, em conversa com Marcos Moraes (ex-funcionário da EBAL e proprietário da Gibimania, importante loja de quadrinhos carioca): “[...] quando a Bloch lançou a Marvel em 1975, os desenhos ‘paradões’ estavam a todo vapor no programa do Capitão Aza, mas quando deixaram de passar na TV, as vendas das revistas sofreram uma queda, mas não o suficiente para cancelar os gibis.”
Ainda Edmundo, em depoimento a Gonçalo para o artigo “A história secreta da Marvel no Brasil”, publicado na edição comemorativa Marvel 40 anos no Brasil (lançada pela Panini em 2007), garantiu que as revistinhas de super-heróis da Bloch não vendiam mal, porém os números não atendiam as expectativas de Adolpho; com exceção de um ou outro título, como Homem-Aranha e O Homem de Seis Milhões de Dólares – a saber, o campeão da editora, com média de 90 mil cópias vendidas por exemplar. Baseado na famosa série televisiva também conhecida por aqui como “Cyborg”, essa revista, porém, tinha uma periodicidade bem irregular, devido provavelmente, ao pouco material original, licenciado pela Charlton Comics. Em sua última edição, autores nacionais tiveram de colocar a mão na massa.
Reforçando tudo isso, Ribeiro ainda escreveu para mim que “A direção da Bloch via os gibis como algo secundário (em relação à Manchete, por exemplo), e a gráfica não dava vazão de rodar todos os gibis que Edmundo queria; daí que este foi obrigado a optar: continuar imprimindo os gibis dos heróis que vendiam de forma satisfatória ou os novos títulos de terror que vendiam melhor.” É muito fácil concluir o que aconteceu...
Quando a RGE lançou o espetacular magazine Kripta em setembro de 1976, fez o favor de apontar “um norte” para as demais editoras, com um recado mais ou menos assim subentendido: “O que está na onda e vende bastante é o gênero terror”. O macabro estava à solta em meados daquela década, tanto no cinema, em filmes como O Exorcista; como na música, via o rockão pesado do Black Sabbath e Blue Oyster Cult e, claro, nos Quadrinhos. A Bloch, como tantas outras, não queria ficar atrás e se apressou a licenciar o vasto material de horror da Marvel.
Dessa maneira, em janeiro de 1977 chegou às prateleiras das bancas de jornal as novas revistinhas da editora, agora sob o selo “Capitão Mistério”: A Tumba de Drácula e Frankenstein. Em seguida, vieram: Lobisomem (Werewolf By Night), Múmia Viva, Aventuras Macabras, Cine-Mistério, Histórias Fantásticas etc. Como boa parte desse material era originariamente preto-e-branco, as cores aplicadas pela Bloch atingiram níveis de borrões ainda maiores. Ademais, vários títulos tornaram-se bimestrais, como os do Aranha e Mestre do Kung Fu – cuja popularização mundial das Artes-Marciais ajudou bastante a manter a revista em pique até a 31ª edição (depois da Bloch, não lembro de mais nenhuma editora brasileira republicar as belas histórias do magazine Deadly Hands of Kung Fu).
Quando a RGE lançou o espetacular magazine Kripta em setembro de 1976, fez o favor de apontar “um norte” para as demais editoras, com um recado mais ou menos assim subentendido: “O que está na onda e vende bastante é o gênero terror”. O macabro estava à solta em meados daquela década, tanto no cinema, em filmes como O Exorcista; como na música, via o rockão pesado do Black Sabbath e Blue Oyster Cult e, claro, nos Quadrinhos. A Bloch, como tantas outras, não queria ficar atrás e se apressou a licenciar o vasto material de horror da Marvel.
Dessa maneira, em janeiro de 1977 chegou às prateleiras das bancas de jornal as novas revistinhas da editora, agora sob o selo “Capitão Mistério”: A Tumba de Drácula e Frankenstein. Em seguida, vieram: Lobisomem (Werewolf By Night), Múmia Viva, Aventuras Macabras, Cine-Mistério, Histórias Fantásticas etc. Como boa parte desse material era originariamente preto-e-branco, as cores aplicadas pela Bloch atingiram níveis de borrões ainda maiores. Ademais, vários títulos tornaram-se bimestrais, como os do Aranha e Mestre do Kung Fu – cuja popularização mundial das Artes-Marciais ajudou bastante a manter a revista em pique até a 31ª edição (depois da Bloch, não lembro de mais nenhuma editora brasileira republicar as belas histórias do magazine Deadly Hands of Kung Fu).
Ótimas HQs que jamais foram
republicadas outra vez no
Brasil.
Com o tempo, quase ninguém falava mais em “Clube do Bloquinho”, mas a interatividade entre editora e leitores continuava. Quer dizer, lá do jeito da Bloch, é claro, que em suas seções de cartas só costumava colocar a resposta dos leitores, o que mostrava, quem sabe, o perfil infanto-juvenil de seu público. Na edição 29 do Homem-Aranha, o leitor Aldenor Peixoto de São Paulo recebeu esta pérola: “[...] não precisa ficar chateado só porque o Homem de Ferro, o Demolidor, o Tocha Humana e outros saíram de circulação. No lugar deles (que por sinal devem estar passando as férias nos Estados Unidos e podem voltar a qualquer momento) ficaram Os Trapalhões, O Homem de Seis Milhões de Dólares, o Mestre do Kung Fu e o Homem-Aranha!”
Ao longo de 1978 os títulos da Marvel iam sendo cancelados. Últimas tentativas com Motoqueiro Fantasma e Doc Savage, e uma retomada com o Incrível Hulk (aproveitando o sucesso da série televisiva com Lou Ferrigno e Bill Bixby) provaram-se infrutíferas.
Ribeiro ainda lembrou que Edmundo preparava a segunda edição de Bloquinho Xerloque (com Doc Savage) e, pasme Os Campeões – heróis de sucesso efêmero nos Estados Unidos, mas que angariou muitos fãs no Brasil, quando da publicação de suas histórias a partir do ano seguinte, nas páginas de Heróis da TV da Editora Abril –, mas não chegou às vias de fato.
Da mesma maneira que Adolpho Bloch teria, anos antes, dado uma rasteira em Aizen ao tomar os heróis Marvel da EBAL, levou também um revide de Roberto Marinho, empresário todo-poderoso, que levou Homem-Aranha e companhia para sua editora, a Rio Gráfica (RGE). Os primeiros gibis de Homem-Aranha e Incrível Hulk nessa nova casa editorial chegaram às bancas em fevereiro de 1979, apenas um mês depois da última edição do Homem-Aranha pela Bloch. Em seguida, a Abril entraria no páreo também (mas essas são outras histórias, que você poderá acompanhar aqui).
Em entrevista cedida a mim e publicada no fanzine Status Quo Comics nº 1 em 1989, o tradutor e colecionador Jotapê disse: “[...] a própria Marvel cancelou o contrato com a editora brasileira.”, e é bem provável, mesmo, que a quebra de contrato tenha partido dos americanos, já que boa parte dos heróis não vinha sendo aproveitada pela Bloch por puro desinteresse, conforme atestou o editor da RGE, Felipe Ferreira, a Gonçalo.
Com o tempo, em alguns títulos de horror, as histórias originais acabaram substituídas por quadrinhos nacionais, casos dos títulos da Múmia e Lobisomem, que traziam material produzido por Rubens Lucchetti, Julio Shimamoto e Flavio Colin. Rodrigues, um importante desenhista de HQs na década anterior, investiu pesado na produção brasuca, em gibis como Aventuras Macabras, Os Trapalhões e Drácula. Até mesmo Jerônimo, o Herói do sertão sofreu um comeback, em três edições reprises com arte do próprio editor.
Apesar dos tropeços e mancadas ao longo de seus quatro anos administrando a Marvel aqui no Brasil, a Bloch marcou a infância e adolescência daqueles que tiveram a oportunidade de acompanhar a empolgação e efervescência da editora na segunda metade dos anos 1970. Hoje, seus exemplares são disputados no tapa em sebos e lojas virtuais, devido à grande procura por parte dos colecionadores e pesquisadores da Arte Seqüencial.
Afinal, o que é um gibizinho da Bloch para essa gente? Objeto de estudo sócio-cultural, de pura indignação, ou o despertar de um gostoso sentimento nostálgico? Nostalgia, creio eu, de uma época melhor, mais simples e feliz, que, com certeza, não voltará mais.
Da mesma maneira que a sua contemporânea, a música Disco, a Bloch deixou saudade em quem viveu seu período, e o desprezo de quem nunca a entendeu.
© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.
Essa matéria foi publicada originalmente em 6 de junho de 2007 no site Bigorna, sob o título “Nos tempos do Clube do Bloquinho”; revisada e atualizada aqui pelo próprio autor.
Se você foi leitor da Bloch, não deixe de participar da enquete ao lado, “Qual foi o melhor título da Bloch?”, e de comentar seu voto e a matéria.
Comentários
Tenho pena daqueles que não participaram dessa época e não assistiram o Clube do Capitão Aza
Excelente artigo. Confesso que me emocionei. A Bloch fez parte da minha vida.
Parabéns e muito obrigado por mais um texto inigualável!
---
Pois é, Carlos, e até agora Shang-Chi não pontuou. Cadê os fãs do cara?
---
Mister Quadrinhos e Lucas: obrigado pelas considerações a respeito do texto.
Abraços!
Abraço.
Andre Bufrem
Também acompanhei a série Os Trapalhões; pelo menos, a primeira fase, iniciada ainda em 1976, quando os desenhos eram mais "realistas", e as capas estampavam fotos do quarteto de humoristas.
Good times!
Quando a Bloch começou a publicar as "revistinhas", em cores, e com preço acessível, corremos e compramos tudo o que conseguimos com a nossa mesada, ainda mais que as séries estavam iniciando no número 1. Claro que, com a enxurrada de títulos que a Bloch despejou no mercado (especialmente porque saíram outras revistas, também, não-Marvel, e tentamos comprar tudo), ficou inviável fazer isso com a mesada, e tivemos que abrir mão, ali adiante.
Felizmente, anos depois, eu consegui praticamente completar a minha coleção da Bloch, faltando apenas poucas edições, e tive o prazer de ter novamente em mãos aquelas maravilhas (mesmo com todos os defeitos de cor, tradução e etc.). É uma época saudosa e mágica e isso suplanta todos os defeitos. Infelizmente, o meu irmão não coleciona mais, e praticamente não conversamos mais sobre os quadrinhos como fazíamos antes. Continuo eu, entretanto, com a mesma paixão lá da infância e juventude.
Saudosa Bloch! Nós, fãs e "jovens de outrora", relevamos todos os seus defeitos, problemas e dificuldades. E saudamos e relembramos uma época em que os quadrinhos eram realmente de qualidade. Difícil aqueles tempos voltarem. Felizmente, temos textos como os teus, que nos ajudam a rememorar tudo aquilo, e não deixar as lembranças perderem-se na poeira dos tempos.
Abração, Guedão!!
Lembro de comprar algumas edições dobradas para trocar pelos posters no Pão de Açúcar Jumbo, a moça da Bloch já me chamava pelo nome...
Tinha que pegar um ônibus, uma das duas linhas que passavam na minha casa, não via a hora de trocar os cupons, depois passei a ir a pé. Um tempão para ir e voltar.
Meu voto ? Me desculpem as outras publicações, mas aguardava com ansiedade o Capitão América. Vai Steve !!!!
Muito obrigado por dividirem aqui suas lembranças da época da Bloch. Com certeza, o depoimento de vocês enriqueceu ainda mais o tópico.
Abraços!
Você sintetizou perfeitamente a Bloch no último parágrafo. Hoje é muito fácil criticar a Bloch pelas cores berrantes e pelo excesso de gírias, mas nós, quando éramos garotos, realmente nos importávamos com isso?
Os primeiros gibis da Marvel que li foram os da Bloch, e lembro quando comprei em banca os gibis de Ka-Zar e Planeta dos Macacos, apesar de na época ser viciado em Mônica e Disney. Era um sentimento indescrítivel de "entrar" num mundo de fantasia, algo que os gibis de hoje dificilmente fazem.
Véio, maneiro esta matéria! Eu gosto muito de história, então... Se bem que a década de 70 não é minha especialidade. rsrsrs...
Todavia, li algo que me transportou para minha infância no mesmo instante. “(aproveitando o sucesso da série televisiva com Lou Ferrigno e Bill Bixby)”.
Então... não é que quando criança adora ver esta série (creio que reprisada pela milésima vez), e o final onde o espetacular ator Bill Bixby pedia carona ao som de “The Lonely Man” era um misto de alguns sentimentos que naquele instante não podia compreender direito. Hoje, com meus trinta anos, até acho que algumas vezes já me senti como o Dr. David Bruce Banner. Mas é assim mesmo, né? A estrada está à frente e vamos seguindo como nosso herói, porque muitas aventuras ainda estão por vir.
“Passado e presente se misturam anarquicamente, mandando às favas o sentido cronológico da sua vida...”
Salve a arte!!!!
Grande abraço!
Wendell
Abraços,
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Wendell, você é o cara!
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Kiara, obrigado pelo aviso. Vou me filiar, pode deixar!
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Valle e Wesley, valeu mesmo pelas visitas e comentários.
Pessoal, muito serviço por aqui, mas em breve trarei novos textos pro blog.
Aguardem, pois, intrépidos manifestantes!
Tá falado!
Grande abraço e sucesso
Abraços!