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O arquétipo miraculoso

Antes de 2014, o Miracleman de Alan Moore só havia aparecido em revista própria no Brasil entre 1989 e 1990, pela Editora Tannos. Recordo que a tradução e as letras dos balões foram feitas por dois colegas do extinto Conclave*, Wilson Costa e Giovanni Voltolini respectivamente. Mas não passou de quatro edições.

Bem, após vários e vários anos de brigas judiciais, finalmente Miracleman acabou nas mãos da Marvel e, de tabela, da Panini. Tanto que a editora italiana sediada em Terra Brasilis lançou Miracleman 1 (novembro de 2014),  o primeiro número de uma série contínua que pretende publicar toda a saga do herói cópia-carbono mais famoso do mundo.

Miracleman nasceu Marvelman, lá na distante Inglaterra, em 1954. Na verdade, foi uma necessidade da editora L. Miller & Son, que publicava as histórias do Capitão Marvel com muito sucesso, mas que subitamente ficou sem o fornecimento de material da Fawcett (a editora americana que detinha os direitos autorais do personagem).

É que a Fawcett enfrentou durante muito tempo um processo judicial movido pela DC Comics, no qual acusava o Capitão Marvel de ser plágio de Superman. A DC nunca conseguiu provar nada, porém, como os custos do processo eram muito altos e, naquela altura - também conhecida como década de 1950 - o bom e velho Capitão já não vendia tanto assim, a Fawcett decidiu cancelar as revistas do personagem definitivamente.

Às pressas, o editor Len Miller solicitou ao desenhista Mick Anglo que bolasse um personagem para ocupar o lugar do Capitão Marvel nas revistas, nascendo assim Marvelman - o super-herói britânico. Da mesma maneira que o garoto Billy Batson se transformava no herói ao dizer a palavra mágica "Shazam", o igualmente guri Micky Moran dizia a palavra-código "Kimota" (atomic ao contrário) e se transformava num Hércules com poderes atômicos. A farra do Marvelman durou até 1963.

Como curiosidade, aqui no Brasil a RGE (editora de Roberto Marinho) continuou publicando tranquilamente o Capitão Marvel até 1967 (saiba mais a respeito disso, aqui), e ainda por cima incluiu as HQs do Marvelman em sua revista, só que rebatizando-o como "Jack Marvel".

Depois de um longo hiato, em 1982 a editora inglesa Quality Communications lançou uma nova série do Marvelman na revista Warrior, escrita por Alan Moore e desenhada por Gary Leach. Moore começava sua escalada ao sucesso mundial - que viria definitivamente, ao escrever vários projetos para a DC, como Monstro do Pântano e Watchmen, entre outros.

Numa análise vulgar, chamaríamos o que Moore fez em Miracleman de "modernização de conceitos", mas a ideia ali nunca foi somente deixar o personagem mais verossímil e/ou as HQs mais maduras... Moore na verdade estabelecia uma de suas principais marcas enquanto roteirista: a exploração a fundo dos arquétipos super-heroicos.

As primeiras edições impressionaram o suficiente para que a série fosse exportada para a América, onde o personagem foi rebatizado como Miracleman pela editora Eclipse Comics - evitando assim um possível processo por parte da Marvel. Moore escreveu mais histórias, até a edição 16, e Neil Gaiman assumiu os roteiros. A revista foi publicada até a edição 24, quando a editora faliu, deixando a edição seguinte inédita.

Em 2009 a Marvel adquiriu os direitos do personagem, com a promessa da saga ser concluída - Moore por sua vez, exigiu que seu nome não aparecesse nas revistas, mesmo nas republicações internacionais (caso da edição brasileira). Por isso que nos créditos consta apenas "O escritor original".

A edição traz as HQs originalmente publicadas em Warrior 1 e 2, sketchs dos personagens feitos por Leach, reprodução de capas antigas, uma entrevista de Anglo a Joe Quesada (na ocasião, ainda editor-chefe da Marvel), e algumas histórias do herói dos anos 1950, que acabam surtindo um efeito bem maior do que apenas o da curiosidade.

Ao lê-las, imediatamente após as "novas" feitas por Moore, nota-se que Anglo não possuía a finesse humorística dos autores da Fawcett (a entrevista é mais engraçada), e que seu material era um tanto quanto perturbador para os padrões da época. É provável que isso é que tenha atraído Moore.

O Micky Moran de Moore é um homem de meia-idade que se arrasta pela sua vida sem graça, até que, durante um ataque terrorista, recupera a memória de seus dias de glória, e volta a ser o poderoso Miracleman. Agora ele terá de lidar com as armadilhas do mundo moderno, sem suspeitar que o grande perigo vem do seu passado.

Sem dúvida, um grande momento das HQs mundiais. Não perca!

© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.

* Saiba mais sobre o Conclave clicando aqui.

Comentários

Anônimo disse…
Boa Guedes.
Acha que na esteira deste relançamento podem surgir histórias novas do personagem? Sabe se a tal história do # 25 de Neil Gaiman vai finalmente ser finalizada?
Abs. Andre Bufrem
Roberto Guedes disse…
A Marvel se comprometeu em publicar a edição 25, Bufrem. E com certeza não vai parar por aí.

Prova disso é que lançou em dezembro de 2014 a revista ALL-NEW MIRACLEMAN ANNUAL 1, com uma história inédita de Grant Morrison, desenhada por Joe Quesada.