Em 1971, a EBAL (Editora Brasil-América Ltda) lançou no Brasil a série de ficção científica Cinco por Infinitus, do premiado autor espanhol Esteban Maroto. Para comportar os belos e arrojados desenhos, a editora carioca dividiu as histórias em 19 volumes enormes com páginas em tons de azul.
Desnecessário dizer que esses exemplares – e mesmo a edição encadernada – tornaram-se itens de coleção caríssimos, e difíceis de serem encontrados em sebos. Mas a procura vale a pena, e com certeza você irá se encantar. Acha que estou a exagerar? Então pergunte a Neal Adams.
Neal Adams?
Isso mesmo. Foi ainda nos anos 1960 que o co-criador do mutante Destrutor (o herói com o visual mais acachapante da Era de Prata) entrou em contato com a obra de Maroto, em uma livraria de usados na vizinhança do Harlem, em Nova York. Adams ficou maravilhado com esses “Legionarios del Espacio” assim definidos em algumas edições, e, em outras, que achou posteriormente, como “Cinco por Infinito”. O nome não importava, pois Adams “rapou” todas!
“[...] minha esperança era ver esse material em inglês, e apesar do meu espanhol ser ruim, tinha a impressão de que eram boas histórias. O chato é que não parecia que uma editora americana iria republicar Legionarios del Espacio por aqui. Por isso que colecionei a série, pensando na possibilidade de, um dia, eu mesmo a lançar em inglês”.
Demorou quase duas décadas, mas, enfim, Adams matou sua vontade, lançando Cinco por Infinitus nos Estados Unidos em novembro de 1984, pela sua própria editora, a Continuity Comics (ou, oficialmente Continuity Publishing inc). E é aí que entra o inusitado da coisa.
Em primeiro lugar, Adams editou apenas cinco edições coloridas e em formato comic book. Em segundo, adicionou desenhos e textos novos à trama de Maroto, além de capas inéditas. Não que alguém reclame de ver arte inédita de um talento feito Adams, mas diga lá: qual a função prática de se fazer isso? Talvez atrair a atenção do leitor americano mediano, não acostumado com o traçado psicodélico do consagrado autor espanhol? Ora, Maroto já era bem conhecido dos fãs dos magazines da Warren Publishing (Creepy, Eerie, Vampirella), não é mesmo? Pra piorar, a periodicidade da série pela Continuity era pra lá de irregular, com a segunda edição saindo em 1985, a terceira em 1988, e as duas últimas apenas em 1989. Ou seja: apenas cinco números num espaço de cinco longos anos. Há fanzines com freqüências bem mais regulares.
Esse era um problema que afligia várias outras publicações de Adams, e, com certeza contribuiu para que a editora nunca, de fato, deslanchasse no mercado americano de quadrinhos. Mas a maior curiosidade de todas deixei mesmo para o final. É que Adams achava que o título original em espanhol não teria impacto algum ao ser traduzido para a língua inglesa, e decidiu batizar a revista como “The Zero Patrol” (“A Patrulha Zero”).
Quer saber por que ele fez isso? Pois não. Em 1957, ainda em sua adolescência, Adams produziu uma HQ, onde imortalizou a si mesmo e a dois colegas (a saber, Victor Malagamba e Jerry Piniella) como os jovens Niles, Vic e Jerry, recrutados por seres alienígenas (anões verdes) às fileiras da Patrulha Zero, recebendo armas e uniformes especiais – e não há como negar uma certa semelhança com a premissa do Lanterna Verde Hal Jordan e os Guardiões do Universo, de John Broome e Gil Kane, que surgiria dois anos depois pela DC Comics.
“Eu estava fazendo uma coisa que ninguém realmente fazia em lugar nenhum: criar novos super-heróis. E não havia nenhuma influência forte então.” – comentou Adams, que, contudo, admitiu que se inspirou um pouco nas aventuras sci fi da DC daquele período, ao conceber sua trama: “[...] apesar de, em certo nível eu ser influenciado por (ou pela arte de) Gil Kane e Dan Barry, minha maior influência na história veio mesmo de Julie Schwartz.” – como sabe, o lendário editor que idealizou o renascimento do gênero super-herói a partir de 1956. E foi assim que Cinco por Infinitus virou The Zero Patrol nos States. Ele reutilizou o nome de uma HQ que desenhou quando era adolescente.
Neal Adams “aprontou” de novo! Por essas e outras, alguns o chamam de polêmico e egocêntrico. Porém, todos reconhecem que se trata de um talento nato. Isso é comprovado pela imagem que ilustra este artigo, feita nos anos 1950 quando ainda era amador, e longe de assumir o estilo fotográfico que o tornaria famoso. Um artista genial, que entrou, definitivamente, para os anais das Histórias em Quadrinhos.
© Copyright Roberto Guedes
Desnecessário dizer que esses exemplares – e mesmo a edição encadernada – tornaram-se itens de coleção caríssimos, e difíceis de serem encontrados em sebos. Mas a procura vale a pena, e com certeza você irá se encantar. Acha que estou a exagerar? Então pergunte a Neal Adams.
Neal Adams?
Isso mesmo. Foi ainda nos anos 1960 que o co-criador do mutante Destrutor (o herói com o visual mais acachapante da Era de Prata) entrou em contato com a obra de Maroto, em uma livraria de usados na vizinhança do Harlem, em Nova York. Adams ficou maravilhado com esses “Legionarios del Espacio” assim definidos em algumas edições, e, em outras, que achou posteriormente, como “Cinco por Infinito”. O nome não importava, pois Adams “rapou” todas!
“[...] minha esperança era ver esse material em inglês, e apesar do meu espanhol ser ruim, tinha a impressão de que eram boas histórias. O chato é que não parecia que uma editora americana iria republicar Legionarios del Espacio por aqui. Por isso que colecionei a série, pensando na possibilidade de, um dia, eu mesmo a lançar em inglês”.
Demorou quase duas décadas, mas, enfim, Adams matou sua vontade, lançando Cinco por Infinitus nos Estados Unidos em novembro de 1984, pela sua própria editora, a Continuity Comics (ou, oficialmente Continuity Publishing inc). E é aí que entra o inusitado da coisa.
Em primeiro lugar, Adams editou apenas cinco edições coloridas e em formato comic book. Em segundo, adicionou desenhos e textos novos à trama de Maroto, além de capas inéditas. Não que alguém reclame de ver arte inédita de um talento feito Adams, mas diga lá: qual a função prática de se fazer isso? Talvez atrair a atenção do leitor americano mediano, não acostumado com o traçado psicodélico do consagrado autor espanhol? Ora, Maroto já era bem conhecido dos fãs dos magazines da Warren Publishing (Creepy, Eerie, Vampirella), não é mesmo? Pra piorar, a periodicidade da série pela Continuity era pra lá de irregular, com a segunda edição saindo em 1985, a terceira em 1988, e as duas últimas apenas em 1989. Ou seja: apenas cinco números num espaço de cinco longos anos. Há fanzines com freqüências bem mais regulares.
Esse era um problema que afligia várias outras publicações de Adams, e, com certeza contribuiu para que a editora nunca, de fato, deslanchasse no mercado americano de quadrinhos. Mas a maior curiosidade de todas deixei mesmo para o final. É que Adams achava que o título original em espanhol não teria impacto algum ao ser traduzido para a língua inglesa, e decidiu batizar a revista como “The Zero Patrol” (“A Patrulha Zero”).
Quer saber por que ele fez isso? Pois não. Em 1957, ainda em sua adolescência, Adams produziu uma HQ, onde imortalizou a si mesmo e a dois colegas (a saber, Victor Malagamba e Jerry Piniella) como os jovens Niles, Vic e Jerry, recrutados por seres alienígenas (anões verdes) às fileiras da Patrulha Zero, recebendo armas e uniformes especiais – e não há como negar uma certa semelhança com a premissa do Lanterna Verde Hal Jordan e os Guardiões do Universo, de John Broome e Gil Kane, que surgiria dois anos depois pela DC Comics.
“Eu estava fazendo uma coisa que ninguém realmente fazia em lugar nenhum: criar novos super-heróis. E não havia nenhuma influência forte então.” – comentou Adams, que, contudo, admitiu que se inspirou um pouco nas aventuras sci fi da DC daquele período, ao conceber sua trama: “[...] apesar de, em certo nível eu ser influenciado por (ou pela arte de) Gil Kane e Dan Barry, minha maior influência na história veio mesmo de Julie Schwartz.” – como sabe, o lendário editor que idealizou o renascimento do gênero super-herói a partir de 1956. E foi assim que Cinco por Infinitus virou The Zero Patrol nos States. Ele reutilizou o nome de uma HQ que desenhou quando era adolescente.
Neal Adams “aprontou” de novo! Por essas e outras, alguns o chamam de polêmico e egocêntrico. Porém, todos reconhecem que se trata de um talento nato. Isso é comprovado pela imagem que ilustra este artigo, feita nos anos 1950 quando ainda era amador, e longe de assumir o estilo fotográfico que o tornaria famoso. Um artista genial, que entrou, definitivamente, para os anais das Histórias em Quadrinhos.
© Copyright Roberto Guedes
Comentários
Seu artigo, como sempre, está delicioso.
Abraço.
Abração, chapa!
Abração,
Andre Bufrem
um blog como o seu é o que estava faltando. Confesso que sou fã dessas histórias de bastidores...
Olha, se achar mais uma coleção impecável, me avisa, OK? rsrs
Júnior, Gian,
Obrigado pelas palavras. Mais histórias de bastidores vêm pela frente.
Aguardem!
Hoje percebo que de alguma forma essas lições ficaram tanto para o menino que diante de seus quadrinhos elegeu o Homem-Aranha como seu maior herói, quanto para o homem que após todos esses anos ainda segue as aventuras e desventuras de Peter Parker.Creio que de uma forma metafórica, cambaleantes ou não, os dois seguem em busca de fazer o melhor.
Mas o engraçado é que todas as vezes que o homem se encontra com Peter Parker ele sempre traz alguém.Um menino de olhar sonhador e com a alma em chamas.
Poucas vezes me emocionei assim. Talvez aqueles dois últimos quadros de Amazing Fantasy 15. Sei que ficou um comentário grande mas tinha de lhe agradecer pois "A Banca" realmente me tocou muito.
Obrigado e que Deus lhe abençõe.
Abraços. Wendell.
Eu também gostei à beça do texto que você fez para sua mãe. O Homem-Aranha - principalmente aquele das histórias de outrora - tinha mesmo essa qualidade de nos emocionar.
Muito bacana!
Deus te abençoe também!
Já o Neal Adams, é outro mestre, mas aí eu acho que ele vacilou :(
Não entendi porque o Neal Adams curtiu tanto essa série.
Cinco por Infinitos tinha lá seu charme, seu fascínio... tinha belas garotas em poses sensuais e tal, e uma diagramação inovadora (européia) mas não era um trabalho consistente, como as HQ feitas nos EUA. Eram histórias vazias, "pretexto pra desenhar", como diria o Jayme Cortez. O que eu sei - e já vou avisando que não sou um pesquisador sério como você, apenas lía muito sobre HQ na época - é que o Maroto se reuniu com alguns desenhista num casarão e mandaram brasa em algumas produções. Cinco por Infinitos seria uma delas e a que se sobresaiu. Na época, dava pra sacar bem que era coisa de equipe (parece até que José Ortiz fazia parte) porque as páginas eram uma colcha de retalhos de referenciais... Haviam cópias de todas "poses" legais de quadrinhos da época, principalmente de Paul Gilon, um grande artista, que seguia o estilo foto realista, e era um dos preferidos do Maroto. Sim, Maroto era bem "maroto" nessa prática... e muito talentoso também. Anos depois um editor americano (na melhor fase dele, na minha opinião, trabalhando para a Warrem) "descobriu" que Maroto copiava muito autores contemporãneos e deu uma bronca nele. Maroto retrucou que não eram cópias, mas sim homenagens, rs.
Eu era fã dele, mas é o tipo do trabalho que reverbera quando fresco, e fica totalmente decadente e sem razão de ser depois de algum tempo.
Abração.
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Acompanhar os comentários dos amigos é tão gratificante quanto escrever os artigos - podem apostar nisso.
Borbão, realmente Adams se maravilhou com o estilo de Maroto, e achou, talvez, que adicionar texto complementar pudesse valorizar mais a trama original. Mas isso não soa bem, não é?
Seabra, a arte de Maroto tem essa característica dúbia. Ao mesmo tempo que evoca um certo modernismo, parece "datada". Em todo caso, a composição das cenas é belíssima.
Acredito - e aí, você como excelente ilustrador poderá falar com mais propriedade do que eu - que esse pessoal que trabalha muito com referências fotográficas, acaba prisioneiro da fórmula. E como sabemos, tudo que é fórmula, uma hora cansa (a beleza). Com o próprio Adams isso aconteceu... Alex Ross também não me impressiona mais como antes.
Ah, você comentou sobre o editor da Warren, mas qual deles? Archie Goodwin? Ou Bill Dubay?
Abraços!
Os editores da Warrem entendiam o talento do Maroto, não fariam uma barbaridade dessas... Acho que lí uma nota sobre isso alguns anos atrás, e foi na internet. Provavelmente um desses editores novos, dessas editoras tipo Dark Horse (ou Topps Comics?) em que o Maroto andou fazendo uma coisa ou outra.
Aliás, nunca mais soube dele.
Sei que nos anos 90 ele começou a desenhar a série "Brendon" pra Bonelli, mas nunca li esse material. Bem que poderiam publicar por aqui, não é mesmo?
Bela matéria sobre bastidores. Pelo visto o grande Neal Adams, como editor foi uma negação. Não sabia disso... (Rsss...)
E esta informação que o Seabra deu, sobre o Maroto maroto, tb desconhecia. É sempre bom ler suas matérias e os posts da galera.
A gente sempre aprende mais um pouco.
Ah... e obrigado por ter me indiado o pessoal do site "Meu Herói". Tô firme, com eles!
Gde-amplexo, irmã0!