Se formos levar em conta a profusa produção dos estúdios de Mauricio de Sousa, teremos aqui, um caso de grande sucesso, tanto criativo e profissional, quanto comercial. Aliás, este último aspecto é o que mais se destacou ao longo da carreira de Mauricio, que soube (como poucos neste mundo) transformar seus personagens em marcas registradas de enorme apelo comercial, sem, contudo, perder sua importância cultural. Alguém aí tem coragem de dizer que a Turma da Mônica não se trata de uma legítima HQB? "Ah, mas ele se baseou na Disney, na Luluzinha..." - alguém pode lembrar. E daí? Ou melhor, e por que não?
Quando a Editora Abril começou a editar o Pato Donald no Brasil, lá atrás, em 1950, seu fundador, Victor Civita, sabia muito bem que os Quadrinhos Disney tinham tudo para dar certo por aqui. Que eu saiba, nenhum editor/diretor brasileiro (ou radicado por aqui), tinha em mãos um produto tão popular para começar a tocar sua editora como Civita tinha.
Assim, com certeza, Mauricio de Sousa, com seu olhar clínico, deve ter somado dois e dois e concluído que a criação de um universo de "bonequinhos" brasileiros poderia dar certo, também. Ele até começou com um cachorrinho (o Bidu), mas logo evoluiria para os seres humanos. As formas redondinhas dos personagens Disney foram, sim, utilizadas, contudo, os animais falantes foram substituídos por crianças com características bem populares e fáceis de serem reconhecidas pelos leitores mirins, como o Cebolinha (que fala errado), ou o Cascão (aquele menino que não gosta de tomar banho).
Resumindo: Mauricio soube se aproveitar de uma fórmula reconhecida de sucesso, adaptando-a à realidade brasileira. É claro que nem tudo foi tão simples assim e, com certeza, outros fatores entraram na jogada, como o fato de ter feito um contrato genial com a Editora Abril em 1970, além de conseguir associar seus personagens aos mais diversos produtos de consumo, que iam desde marcas de molhos de tomate até cadernos escolares. Muita gente ainda pode dizer que isso tudo foi benéfico apenas para o Mauricio e que sua equipe de produção (desenhistas, roteiristas, coloristas etc.), jamais teve seu devido reconhecimento. Não deixa de ser verdade, mas podemos citar o exemplo de Marcelo Cassaro, que soube usufruir do know-how conquistado nos estúdios de animação do Mauricio para dar seguimento à sua carreira de editor e roteirista de renome em suas próprias produções.
A mesma coisa pode ser dita dos profissionais da Abril que, apesar de passarem muitos anos produzindo milhares de páginas de Quadrinhos da Disney, continuaram no anonimato. O estúdio Disney dentro da Abril foi chamado por alguns de "cemitério de elefantes" pois, de acordo com seus críticos, teria enterrado na obscuridade do anonimato talentosos artistas do gabarito de um Renato Canini. Ledo engano - pra não dizer injusto -, já que, durante muito tempo, tais profissionais puderam exercer com orgulho a profissão que decidiram abraçar. E mais: foram bem pagos por isso.
A história da produção em Quadrinhos no Brasil é tão antiga quanto a americana (talvez mais, se formos considerar que Angelo Agostini publicou Nhô Quim 26 anos antes do Yellow Kid de Outcault), mas o fato é que, até hoje, não conseguimos organizá-la como uma indústria. Grandes "impérios" como os da Abril, EBAL e RGE (que depois virou Globo) iniciaram suas atividades como editoras de Revistas em Quadrinhos, mas, em raras ocasiões conseguiram emplacar uma HQB - e, neste caso, não podemos citar os quadrinhos da Disney feitos na Abril, por serem, obviamente, personagens estrangeiros.
A difícil luta pela imposição do produto nacional em bancas começou a ficar forte mesmo em meados dos anos 1950, quando o Código de Ética americano varreu as revistas de terror daquele país, abrindo um precedente na produção das mesmas por aqui, por "pequenas", porém heróicas editoras como: La Selva, Bentivegna, JS, Fittipaldi e a Continental/Outubro. Todas do famoso "eixo gráfico" paulista Moóca, Cambuci e Brás.
Durante o revival dos super-heróis na década seguinte, autores como Gedeone Malagola e Eugênio Colonnese criaram uma leva considerável de personagens para atender a demanda, e, até hoje, heróis como Raio Negro e Mylar são lembrados pelos mais aficionados. Evidente que nenhum deles atingiu a notoriedade de um Fantasma ou Super-Homem, mas, ainda sim, por um determinado período de tempo, geraram burburinho e receita às editoras, além de trabalho contínuo aos autores.
Naquela época já havia um monopólio das grandes no mercado, com seus copyrights e coisa e tal, mas, apesar disso, profissionais mais talentosos e organizados - como Rodolfo Zalla, com seu estúdio D-Arte - nunca ficavam "a ver navios". Aliás, quantos quadrinistas podem se gabar de terem produzido histórias de Zorro, Hanna-Barbera, seus próprios personagens e de terem administrado - por mais de uma década -, sua própria editora? Zalla pode, e ele fez tudo isso porque sempre teve em mente uma "estratégia de ataque".
Por tudo isso e muito mais, o autor brasileiro tem de parar de chorar, de ter dó de si mesmo, de colocar a culpa nos americanos, japoneses e editores gananciosos; e arregaçar as mangas de uma vez por todas. Tem de superar seu pensamento zineiro sem, todavia, perder o mote "Faça você mesmo". Há de criar metas, traçar objetivos, formar alianças, e parar de olhar para o próprio umbigo. Como um boxeador obstinado, tem de assimilar os golpes da crítica e tirar proveito das oportunidades, sem esperar por uma benção divina. Parafraseando o apresentador Milton Neves: "Sorte é o encontro da capacidade com a oportunidade".
A verdade, é que ninguém vai compadecer-se de ti; achar que é coitadinho e lamentar que você e o seu enorme talento mereciam sorte melhor. Então, mãos à obra, e vamos em frente - que atrás vem gente.
© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.
Quando a Editora Abril começou a editar o Pato Donald no Brasil, lá atrás, em 1950, seu fundador, Victor Civita, sabia muito bem que os Quadrinhos Disney tinham tudo para dar certo por aqui. Que eu saiba, nenhum editor/diretor brasileiro (ou radicado por aqui), tinha em mãos um produto tão popular para começar a tocar sua editora como Civita tinha.
Assim, com certeza, Mauricio de Sousa, com seu olhar clínico, deve ter somado dois e dois e concluído que a criação de um universo de "bonequinhos" brasileiros poderia dar certo, também. Ele até começou com um cachorrinho (o Bidu), mas logo evoluiria para os seres humanos. As formas redondinhas dos personagens Disney foram, sim, utilizadas, contudo, os animais falantes foram substituídos por crianças com características bem populares e fáceis de serem reconhecidas pelos leitores mirins, como o Cebolinha (que fala errado), ou o Cascão (aquele menino que não gosta de tomar banho).
Resumindo: Mauricio soube se aproveitar de uma fórmula reconhecida de sucesso, adaptando-a à realidade brasileira. É claro que nem tudo foi tão simples assim e, com certeza, outros fatores entraram na jogada, como o fato de ter feito um contrato genial com a Editora Abril em 1970, além de conseguir associar seus personagens aos mais diversos produtos de consumo, que iam desde marcas de molhos de tomate até cadernos escolares. Muita gente ainda pode dizer que isso tudo foi benéfico apenas para o Mauricio e que sua equipe de produção (desenhistas, roteiristas, coloristas etc.), jamais teve seu devido reconhecimento. Não deixa de ser verdade, mas podemos citar o exemplo de Marcelo Cassaro, que soube usufruir do know-how conquistado nos estúdios de animação do Mauricio para dar seguimento à sua carreira de editor e roteirista de renome em suas próprias produções.
A mesma coisa pode ser dita dos profissionais da Abril que, apesar de passarem muitos anos produzindo milhares de páginas de Quadrinhos da Disney, continuaram no anonimato. O estúdio Disney dentro da Abril foi chamado por alguns de "cemitério de elefantes" pois, de acordo com seus críticos, teria enterrado na obscuridade do anonimato talentosos artistas do gabarito de um Renato Canini. Ledo engano - pra não dizer injusto -, já que, durante muito tempo, tais profissionais puderam exercer com orgulho a profissão que decidiram abraçar. E mais: foram bem pagos por isso.
A história da produção em Quadrinhos no Brasil é tão antiga quanto a americana (talvez mais, se formos considerar que Angelo Agostini publicou Nhô Quim 26 anos antes do Yellow Kid de Outcault), mas o fato é que, até hoje, não conseguimos organizá-la como uma indústria. Grandes "impérios" como os da Abril, EBAL e RGE (que depois virou Globo) iniciaram suas atividades como editoras de Revistas em Quadrinhos, mas, em raras ocasiões conseguiram emplacar uma HQB - e, neste caso, não podemos citar os quadrinhos da Disney feitos na Abril, por serem, obviamente, personagens estrangeiros.
A difícil luta pela imposição do produto nacional em bancas começou a ficar forte mesmo em meados dos anos 1950, quando o Código de Ética americano varreu as revistas de terror daquele país, abrindo um precedente na produção das mesmas por aqui, por "pequenas", porém heróicas editoras como: La Selva, Bentivegna, JS, Fittipaldi e a Continental/Outubro. Todas do famoso "eixo gráfico" paulista Moóca, Cambuci e Brás.
Durante o revival dos super-heróis na década seguinte, autores como Gedeone Malagola e Eugênio Colonnese criaram uma leva considerável de personagens para atender a demanda, e, até hoje, heróis como Raio Negro e Mylar são lembrados pelos mais aficionados. Evidente que nenhum deles atingiu a notoriedade de um Fantasma ou Super-Homem, mas, ainda sim, por um determinado período de tempo, geraram burburinho e receita às editoras, além de trabalho contínuo aos autores.
Naquela época já havia um monopólio das grandes no mercado, com seus copyrights e coisa e tal, mas, apesar disso, profissionais mais talentosos e organizados - como Rodolfo Zalla, com seu estúdio D-Arte - nunca ficavam "a ver navios". Aliás, quantos quadrinistas podem se gabar de terem produzido histórias de Zorro, Hanna-Barbera, seus próprios personagens e de terem administrado - por mais de uma década -, sua própria editora? Zalla pode, e ele fez tudo isso porque sempre teve em mente uma "estratégia de ataque".
Por tudo isso e muito mais, o autor brasileiro tem de parar de chorar, de ter dó de si mesmo, de colocar a culpa nos americanos, japoneses e editores gananciosos; e arregaçar as mangas de uma vez por todas. Tem de superar seu pensamento zineiro sem, todavia, perder o mote "Faça você mesmo". Há de criar metas, traçar objetivos, formar alianças, e parar de olhar para o próprio umbigo. Como um boxeador obstinado, tem de assimilar os golpes da crítica e tirar proveito das oportunidades, sem esperar por uma benção divina. Parafraseando o apresentador Milton Neves: "Sorte é o encontro da capacidade com a oportunidade".
A verdade, é que ninguém vai compadecer-se de ti; achar que é coitadinho e lamentar que você e o seu enorme talento mereciam sorte melhor. Então, mãos à obra, e vamos em frente - que atrás vem gente.
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*Escrevi este texto há muitos e muitos anos, mas ainda hoje acho que o assunto em questão é atual. A imagem é uma foto-montagem de um artigo publicado em 100 Balas 27 (fevereiro de 2004) da Opera Graphica, sobre a entrega do prêmio Angelo Agostini daquele ano.
Comentários
Bjs.
Nada mais certo do que o artigo que escreveu. Por mais que tenha passado 5, seis ou dez anos, é tão atual que qualquer leitor vai identificar com fato de hoje.
Um grande exemplo é a PADA. Podemos não estar ricos, mas continuamos produzindo e lançando novos títulos com responsabilidade e visão profissional, como deve ser.
Parabéns, Guedes. Seu texto é ótimo.
Andre Bufrem
há muito tempo vejo que tem muita gente reclamando do mercado de HQB e pouca gente produzindo.. principalmente produzindo com qualidade...
Acho que não basta ser HQB pra merecer aplausos... tem que ter qualidade, senão perde a razão.
Parabéns...