Dia desses eu recebi um e-mail muito bacana do leitor Marcelo Franco, de Ribeirão Preto, e até pensei em reproduzi-lo na seção de cartas da próxima edição do Almanaque Meteoro. Mas por uma questão de espaço físico - a "carta" de Marcelo é longa demais e seria um pecado ter de editá-la -, eu preferi postá-la aqui no Manifesto, na íntegra e exatamente como ele a redigiu, para que os fieis e intrépidos seguidores possam apreciá-la em sua totalidade e refletir sobre suas palavras.
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Ribeirão
Preto, 25 de agosto de 2012.
Prezado Roberto Guedes,
Saudações quadrinisticas!
Acabei
de ler o seu sensacional livro “A ERA DE
BRONZE DOS SUPER-HERÓIS”. As sensações que ele me inspirou me fizeram
escrever a você, ilustre autor. Acredito
que somos da mesma geração de leitores, embora, pelo que pude observar, você
deve ter iniciado nos quadrinhos um pouco antes que eu (comecei a ler
quadrinhos em 1980, atualmente tenho 40 anos).
Muitas
coisas que te sensibilizaram e foram objeto de abordagem em seu livro também me
impactaram de forma significativa na minha infância e adolescência. As
histórias do Aranha, dos anos 1970, de Gil Kane, O Hulk de Bill Mantlo e Sal
Buscema; X-men do Byrne (e quase tudo o que Byrne fez, para mim, é
especialíssimo); o Demolidor do Frank Miller (que a gente esperava ansiosamente
para comprar, todos os meses, na saudosa SUPERAVENTURAS MARVEL, da Abril) enfim,
foram tantas referências importantes no seu livro que não pude deixar de viajar
no tempo e retornar para um tempo em que os quadrinhos tinham uma qualidade e
um impacto muito diferente do que infelizmente vemos hoje.
Constantemente
me pergunto se foram as histórias que pioraram ou se fomos nós que crescemos.
Provavelmente as duas coisas. O sabor que os anos 1980 tiveram não guarda
nenhum paralelo com a realidade que vivemos hoje. Aquela Terra parece outro
mundo, outra realidade, talvez de um dos muitos universos da Distinta
Concorrente.
Percebi
que temos alguns personagens prediletos em comum. Aquela primeira série de O HOMEM CHAMADO NOVA também está entre as minhas preferidas. Lembro que eram
histórias poderosas, bem anos 1970 e junto com os X-men, formavam um mix de
respeito, nas páginas do hoje nostálgico ALMANAQUE MARVEL da RGE.
ROM, o cavaleiro espacial, que
surgiu no ALMANAQUE PREMIERE MARVEL (outra excelente revista, que infelizmente,
teve vida curta, foi uma proposta bem ousada da RGE, para a época) era outra
série fantástica, que, infelizmente, teve um final muito aquém do nível que a
série teve durante seu desenrolar. A premissa do personagem era muito
interessante e Sal Buscema nos desenhos, arrasava (O Capitão América dele, para
mim, era o melhor, junto com o do Byrne, naquelas mirabolantes aventuras
escritas por Roger Stern).
Também
compartilho da sua desilusão pelos quadrinhos atuais. Embora eu continue
comprando Marvel e DC (muito menos que antes), o fato é que se os desenhos evoluíram muito, em termos - pois todo mundo desenha mais ou menos igual hoje
em dia. Há um certo exagero visual que às vezes cansa. O fato é que os
roteiros estão de dar dó.
Brian Michael Bendis, que já foi
considerado um NOVO STAN LEE (heresia), para mim, é um baita de um enrolador.
Chega a ser irritante ler uma história toda, em que nada de relevante acontece
e os personagens ficam se perdendo em diálogos sem sentidos, alguns bastante
idiotas por sinal. Além disso ele se
apropria de diversas idéias que surgiram na Era de Bronze, “requenta” aquilo
e age como se fosse algo super original. Exemplo disso é a péssima INVASÃO
SECRETA. Se você pegar uma história dos Vingadores (ou do Quarteto, não
me lembro agora) do início dos anos 1970, vai ver lá que um Skrull havia se
passado por um dos integrantes do Quarteto. Ora, é essa mesma premissa que o
Bendis usa na INVASÃO SECRETA, e que de original não tem nada.
Da
safra atual, acho que o MARK MILLAR é um dos melhores, mas mesmo assim, está
longe de ser considerado um gênio dos quadrinhos. Quando
a gente relê algumas histórias dos anos 1970/1980, fica mais evidente ainda a
distância com os autores atuais. O texto de Roy Thomas, por exemplo, na ESPADA
SELVAGEM DE CONAN até hoje me impressiona, e algumas histórias foram escritas
há quase 40 anos!
X-men
do Claremont/Byrne, Quarteto do Byrne e Conan de Roy Thomas/John Buscema são
exemplos de obras referenciais nos quadrinhos e que até hoje são uma leitura
poderosa, com um visual e um texto que, para mim, são os que melhor definem a
literatura de herói.
Particularmente,
vejo com certa tristeza o futuro dos quadrinhos. Me parece uma arte fadada a
desaparecer. Entre a população mais carente isso já ocorreu - não se veem
mais crianças e jovens com gibis do Aranha, Batman, Superman nas mãos, pois o
preço é desautorizador -, e, em um futuro próximo, somente em livrarias poderemos
comprar edições impressas a preços salgados. O restante, só em internet, sem o
charme da edição de papel.
Me
preocupa muito que o universo de heróis já não tenha impacto na grande massa
infanto-juvenil e no povo, que até os anos 1980, comprava quadrinhos em
abundância. Falo das pessoas humildes, de pouca condição financeira, mas que
ainda assim, comprovam gibis para seus filhos, pois o valor de capa era
bastante acessível. Hoje, o que vemos, é que pouquíssimas pessoas poderiam
comprar, todos os meses, tudo o que as editoras lançam. Isso daria um gasto
mensal perto de um salário mínimo, acredito eu.
As
vendas despencam, por conta de histórias fracas e longas, que sempre continuam
no próximo número. Antes do reboot da DC, Superman estava vendendo, nos EUA, a
miséria de 35 mil edições mensais. Se compararmos com as vendas da ERA DE OURO,
que chegavam à casa do milhão de exemplares (e com uma população, proporcional,
muito menor, o que não pode ser ignorado), vê-se facilmente o quanto de
relevância os quadrinhos perderam, como meio de comunicação de massas.
As
graphic novels foram comemoradas como a ascensão dos quadrinhos ao status de
arte, porém, paradoxalmente, podem também ter decretado o fim dos quadrinhos
convencionais, ao inflacionar substancialmente o preço de capa e afastar muitos
leitores de poder aquisitivo menor.
Dias atrás, fui a uma livraria e vi edições especiais da Panini (encadernados)
por quase R$ 100. Acabamento luxuoso, de primeira, para histórias que nem
sempre estão à altura da qualidade editorial (na Era de Bronze era o contrário,
concorda? Quadrinhos de excelente qualidade, para edições muitas vezes
pobres - vide os formatinhos da RGE e da ABRIL).
Mas
quero mesmo lhe dizer que sua obra A ERA DE BRONZE DOS SUPER HERÓIS é uma
delícia de leitura, e que devorei o livro em poucos dias, deixando de lado tudo
o que eu estava lendo para me dedicar a esta maravilhosa obra.
Se
você puder, em um futuro próximo, reeditar
a obra em cores, isso vai trazer um impacto visual fantástico para o seu
trabalho, pois você escolheu capas muito boas e emblemáticas para ilustrar seu
livro - a maioria delas eu não conhecia mesmo, eram inéditas para mim.
A
título de sugestão, em uma futura revisão, as histórias mencionadas no livro
poderiam vir acompanhada de um rodapé, informando em quais edições brasileiras
houveram (ou não) a publicação destas histórias. Eu quis checar alguns detalhes
que você mencionou no livro, na minha coleção (5 mil exemplares, mais ou
menos), mas não lembrava mais em quais edições determinadas histórias haviam
sido publicadas. Estes
detalhes em nada desmerecem seu trabalho, repito. Sua prosa é muito bem escrita
e a leitura é deliciosa.
Como
você vem se mostrando uma revelação na área de livros sobre quadrinhos (um
mercado bem incipiente aqui no Brasil), gostaria de lhe sugerir alguns temas
para obras futuras:
*Os quadrinhos pós-Era de Bronze (ou seja, a partir
de 1985).
*Enciclopédia sobre escritores, desenhistas e
arte-finalistas dos quadrinhos, com destaque para os bastidores da vida pessoal
e profissional de cada um (o que, geralmente, geram as histórias mais
saborosas).
*Obras fechadas sobre determinados artistas que
marcaram as HQs (como você fez com Stan Lee, aliás, vou lê-lo em breve),
ou então, um livro que aborde uns 10 artistas, em capítulos diferentes.
Sugestões: JOHN BUSCEMA, JOHN BYRNE, GIL KANE, FRANK FRAZETTA, SAL BUSCEMA,
MARSHALL ROGERS, JOSÉ LUIZ GARCIA-LÓPEZ, ROSS ANDRU, GERRY CONWAY, ROY THOMAS,
MARV WOLFMAN, GEORGE PÉREZ, FRANK MILLER, ALAN MOORE.
*Trajetória editorial da Marvel no Brasil, com
abordagem de bastidores das redações e análise das revistas mais relevantes de
cada período.
Por
enquanto é só. Desculpe se me estendi, mas seu livro me motivou a isso. Me fez voltar 30 anos no tempo, quando
éramos bem mais puros e ingênuos, uma época mais simples, em que ainda
acreditávamos que o homem podia voar.
Por
favor, guarde meu e-mail e quando lançar novas obras, me avise.
Abraços do amigo e leitor,
MARCELO FRANCO
Comentários
Parabéns Guedes, por compartilhá-la conosco, e infelizmente, o amigo leitor está com a razão, provavelmente veremos as edições impressas morrerem em breve, sobrando o digital como saída e esperemos que isto ocorra!!
Tenho também os formatinhos Abril e alguns da RGE, são histórias de tirar o fôlego, pena que a Marvel e a DC se perderam em tantos reboots, afastaram os antigos leitores e não atraíram com isto, novos leitores!!
Ficou impressionado com a carta do Marcelo Franco porque me reporta à mesma época que ele, quando comecei, efetivamente, a colecionar histórias em quadrinhos. Buscando em bancas e em sebos (quanto tinha grana) as edições que me faltavam.
Vejo com a mesma melancolia que ele o fim inexorável dos quadrinhos impressos e a ascenção dos digitais. Também discuti várias vezes que hoje todo mundo desenha igual, desde o surgimento da nova geração de Lifield, Jim Lee, e outros artistas que nem lembro nome, padronizaram o traço. Antigamente, eu abri uma revista e sabia quem era o desenhista de cada história. Hoje vejo muita cor, pose e beleza plástica que não dão identidade ao autor.
Quanto à sugestão do escritor dessa missiva em colocar referência, quem sabe, numa reedição de seus livros e coloração.
Obrigado, Guedes e ao Marcelo, por essa oportuna leitura.
Porém, acho fundamental que haja registros dos seguidores aqui no blog - agradeço sempre -, até porque muita gente que navega pela internet poderá apreciar a boa diversidade de ideias.
Birão, a ideia era exatamente fazer as pessoas refletirem sobre as palavras do Marcelo.
Valcir, dada a gigantesca quantidade de informações no Era de Bronze, torna-se quase inviável colocar notas sobre todas as edições nacionais - embora, em casos mais específicos, isso tenha ocorrido -, sem prejudicar a fluidez da leitura. Mas, claro, numa reedição futura, algumas referências poderão ser acrescidas.
É evidente que quadrinho não é só super-herói, mas o interesse de Marcelo descrito na mensagem, no caso, é a respeito do gênero super-heroico. Não lhe pareceu óbvio isso?
Acho que com o advento das comics shop nos anos 90, junto com o reconhecimento dos quadrinhos como uma forma "séria" de expressão artística pela mídia e a alta especulação que varreu os anos 90 fez com que o mercado desse as costas a uma grande fatia de seu público.
De repente qualquer porcaria mal escrita, mas desenhada por um dos "talentos" da época, cheia de músculos, seios e poses exageradas vendia horrores nas lojas especializadas, afinal, em alguns anos estariam valendo horrores (Santa especulação!), e o pobre leitor que comprava os gibis de seus personagens favoritos nas mercearias e mercados dos EUA, triste com a qualidade das histórias ou com a dificuldade de encontrar os títulos foi abandonando o hábito da leitura de gibis.
Aí o sistema desmoronou as editoras não se recuperaram até hoje e muitos idiotas perceberam que aquele monte de papel brilhante bem impresso, mas de conteúdo pobre, com várias capas alternativas, mas facilmente esquecíveis não iria deixá-los ricos e nem mesmo pagar os seus estudos.
Hoje, a IMAGEm já não é tudo para os gibis, mas aquela fatia do mercado que comprava os gibis baratos e não muito bem impresso nas mercearias às centenas de milhares se foi, o mercado enfrenta a concorrência de outras mídias como nunca enfrentou antes e para ter números expressivos de venda os editores aposta, equivocadamente em minha opinião, nas megas sagas que geram muito mais burburinho do que têm qualidade.
Nada contra edições luxuosas, mas o grosso do mercado de gibis tem que ser com edições baratas, facilmente encontráveis e, principalmente com boas histórias, não importando se "aquela saga mudará tudo na vida do personagem" a cada seis meses ou se todos são Vingadores.
Quando e se alguma das grandes editoras perceberem isso acho que as coisas começam a mudar, tanto para o mercado americano quanto para o nosso.
Excelente.
Edu
Gostei muito das sugestões dele para os próximos livros. É de se pensar, não?
Abraço,
Andre Bufrem
Os autores de hoje enchem linguiça, pior qe as novelas das 8 da GLobo.
Nas edições antigas as surpresas e a ação eram constantes...
Claro que nem tudo hoje em dia´é ruim...algumas histórias isoladas são boas...
mas como o guedes disse o problema está na Linha editorial da Marvel e DC.
Se isso não mudar...não sei o que seão dos nossos heróis.
Muito legal a opnião do Leitor.
Borges
Gostei da argumentação de cada um de vocês - acrescentando mais elementos ao assunto em pauta.
Bufrem, eu recebi uma proposta de certa editora para um livro que "tem a ver" com uma das propostas do Marcelo.
Abraços gerais!
Esta carta do Marcelo foi muito bem escrita e emotiva. Em minha humilde opinião, os quadrinhos produzidos hoje não se comparam aos da Eras de Prata e Bronze (que são meus períodos preferidos). Mas ainda temos ótimos escritores trabalhando no mercado.
Alguns deles têm grandes oportunidades, como Jonathan Hickman que começará seu run em The Avengers. Outros sempre perdem um título de expressão para os "famosos" escritores com hype - caso dos talentosos Fred Van Lente, Christos Gage, Dan Abnett, Andy Lanning... enfim... eu torço por algumas mudanças que venham valorizar cada vez mais os super-heróis e seus artistas maravilhosos. :D
Abração pra todos!
Há bons talentos? Sem dúvida, mas estão dispersos em uma enxurrada de títulos medianos - quando não medíocres -, o que nos faz concluir que o principal fator da decadência se deve a equívocos de ordem editorial.
As HQs super-heroicas precisavam urgentemente de uma chacoalhada em suas bases. Um revisionismo de seus anos recentes, uma visitação aos seus dias de glória e uma compreensão, por parte de seus autores, do paradigma do herói.
Com certeza você não me conhece, mas se você for quem penso, eu te conheço desde a década de 90...
Eu comprava os fanzines pelo correio do Meteoro... E de um herói (devastador?) que é um repórter traumatizado e cai em produtos quimicos... A noiva morre e depois a irmã dela fica dando em cima do cara... Acertei o nome?
E depois um mega-cross over marvel/dc/meteoro... Lembra? O Ajax aparece no campo de futebol onde joga o Palmeiras...
É você o autor delas?
Na época com 14 anos tentei fazer um fanzine "the flash" e creio que voce foi um dos poucos que comprou, na verdade trocando por um meteoro...
Parabéns por suas edições atuais e pelas antigas... Vejo que seu trabalho continua incansável...
A minha idéia do fanzine não prosperou, mas hoje tenho um site, um blog e agora estou escrevendo livros com uma visão adulta dos personagens Disney... Esta fazendo um sucesso razoável, mas não gera dividendos... rs...
Se quiser dar uma olhada:
novapatopolis.blogspot.com
Falei muito, não precisa aprovar este comentário, só queria retomar o contato...
Qualquer coisa me escreva:
danielalencar.br@gmail.com
Grande abraço,
Daniel
Sou eu mesmo, o autor de Meteoro! Puxa, muito legal reencontrar - mesmo que pelas vias virtuais - um contemporâneo dos tempos da fanedição. Vou olhar sim o seu site, e, por favor, mantenha contato. Também estou no Facebook e Twitter (é só clicar nos respectivos ícones na lateral desta página) OK?
Forte abraço e tudo de bom!
Abraços!
A coisa está degringolando "rio abaixo" e nossos editores e nosso único distribuidor n tomam qualquer providência. Acredito q a coisa só poderia melhorar com uma campanha nacional estimulando a leitura das HQs, que por sua vez deveriam voltar ao patamar dos preços mais acessíveis. Porém, n vejo luz no fim do túnel.
Grato, por compartilhar essa carta q veio elucidar qual é o velho problema das HQs - e n são apenas das nacionais. As gringas, elas vão de mal a pior. Gde mano amplexo pra todos!