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A história da Big Apple Comix

Todo esse papo em torno da vinda de Robert Crumb, o “Pai do Quadrinho Underground” ao Brasil fez-me lembrar de uma matéria bem antiga que escrevi pro site HQManiacs a respeito da revista Big Apple Comix. Esta se trata de uma verdadeira jóia rara do mercado gringo, que adquiri há alguns anos, inclusive, presenteando meu chapa André Hernandez (então o Editor de Arte da Opera Graphica) com um exemplar. Se bobear, somos os únicos brasileiros a possuir uma cópia desse título pra lá de especial, detentor de uma história de bastidores muito interessante.

Tudo começou quando Flo Steinberg (mais conhecida do fandom americano por seu período como secretária de Stan Lee durante a efervescente “Era Marvel” nos idos dos anos 1960) decidiu respirar novos ares, morando um ano inteiro em São Francisco. Ao voltar pra Nova York, Jim Warren a convidou para trabalhar como gerente do Captain Company, o departamento de merchandise da editora Warren Publishing.

Entretanto, sua curta estadia na cidade dos hippies renderia um belo fruto ao cenário quadrinístico. Flo se encantou com a efervescência cultural da cidade californiana propagada pelas reuniões das comunidades de cabeludos “malucos beleza” que viviam a pregar certo – e promíscuo – amor livre e a negação do consumismo desvairado do Capitalismo Selvagem. Tudo isso, regado ao embalo de “estranhas substâncias” e Rocks Bluseiros de Janis Joplin e Jimmy Hendrix.

Um adendo: Essa mesma dupla “assinaria” o epílogo da Contracultura com suas prematuras mortes, reforçando a decadência do movimento – já explicitada no assassinato de um rapaz negro nas mãos (e facas) da gangue de motoqueiros Hell’s Angels, durante uma apresentação caótica dos insuperáveis Rolling Stones no autódromo de Altamont.

Mas “peraí”! São Francisco era também a cidade dos Comix – assim mesmo com “X”, como era chamado o emergente Quadrinho underground.

Quem começou com isso foi – o já citado – Robert Crumb, ainda em 1968, ao lançar a revista Zap Comix – estopim do futuro “Mercado Direto” americano de revistas. Logo, veio Gilbert Shelton e a sua Feds’ n’ Heads e Rick Griffin, com o seu “projeto surfista” Tales From the Tube. Quem apresentou essas pérolas intoxicadas a Flo foi Trina Robbins – a cartunista que descreveu, via telefone, o visual de Vampirella ao renomado Frank Frazetta.

De volta à NY, Flo veio com a idéia fixa de editar uma revista underground, mas que homenageasse a “Grande Maçã” (apelido de Nova York). Ela queria repetir o “espírito” anárquico dos Comix, e, por isso mesmo, o gibi não poderia ser publicado por uma grande editora. Aliando seus anos de experiência e contatos na Marvel, a moça conseguiu reunir uma gama de profissionais da pesada: Neal Adams, Herb Trimpe, Linda Fite (esposa de Trimpe), Wally Wood, Larry Hama, Al Williamson, Ralph Reese e Marie Severin, entre outros bons e grandes amigos que ajudariam a imortalizar o título Big Apple Comix.

Todos toparam a empreitada e se submeteram a receber míseros 10 dólares por página! Jim Warren permitiu que ela estocasse os exemplares em sua editora, e Neal Adams cedeu sua caixa postal do estúdio Continuity, de onde Flo respondia e despachava os pedidos.

Se a esta altura você estiver achando que Flo foi uma folgada e politicamente incorreta, atente ao comentário da moça: “Jim era demais! Ele me ajudou muito! [...] Era um sujeito especial por se importar com todo mundo. Ele foi um dos caras bons nesse ramo, e, além de tudo, era um tremendo gatão!” – vamos lá, intrepid one: dá pra resistir a essa moça?

BAC foi lançada em setembro de 1975, com capa em 4 cores, 32 páginas de miolo em preto-e-branco e formato 17,8 x 24,8 cm (um pouquinho menor que os comic books habituais). No editorial assinado por Denny O’ Neil, este explica que quando Flo chegou em Nova York, constatou que a cidade não tinha nem um pouco do glamour estampado nos filmes hollywoodianos, e que “[...] é mal iluminada, as ruas são imundas e os mendigos espalhados por suas calçadas fedem a vinho barato. Seus alugueis são ridiculamente altos e seus apartamentos, ridiculamente pequenos! Mas Flo decidiu ficar. E o resto de nós também. Por quê? Porque São Francisco é muito legal pra agüentarmos, saco!”

Recomendada apenas para leitores adultos, Big Apple Comix tornou-se, rapidamente, um item de colecionador. Ainda hoje, é interessante folheá-la e ver todos aqueles grandes nomes prestarem homenagem, mesmo que em tom de escracho e sem qualquer tipo de censura, à maior cidade do mundo.

© Copyright Roberto Guedes. Todos os direitos reservados.

Comentários

Lancelot disse…
É mano Guedes, a contracultura entra em cena ou em quadro, melhor dizendo. O movimento hippie, uma expressão liberal, despojada dos conceitos capitalista (nem tanto – era consumista), também buscou a alternativa desvinculada do Comics Code Authority (CCA), para levar aos quadrinhos esta rebeldia gráfica e você sabe que o movimento undergronud precipuava drogas, sexo e rockronll... O interesante de tudo é o aspecto “alternativo” ou underground comix, um novo conceito ou forma de estar “na praça” buscado pelas pequenas editoras. Psicodélicos como Robert Crumb e Gilbert Shelton, ficaram famosos com esta forma de arte, mas acho que este movimento começou com as “Bíblias Tijuanas” no aspecto de quebrar “regras”... O interessante da BIG APPLE COMIX, uma boa sacada de Flo Steinberg (devia ser hippie), é que esta revista mostrava claramente, no aspecto “arqueológico” a situação de Nova York na década de 70 – crimes, problemas raciais, crise econômica... Essa sua reportagem me lembrou meus anos 80, quando criamos aqui um Jornal Alternativo chamada Inovação... Boa lembrança Guedes.

Lancelott
Tony Fernandes disse…
Muito boa esta sua matéria sobre o underground. Muita gente, inclusive
eu, não sabia do envolvimento da secretária do Stan nessa jogada e nem da participação de um time da pesada nessa empreitada.
Valeu!
Anônimo disse…
Legal guedes.
Não sabia desse movimento em São Francisco, nem do envolvimento da Flo em outras publicações que não da Marvel. Ela deve ser uma pessoa muito interessante para uma entrevista, hein?
Andre Bufrem
Roberto Guedes disse…
Sem dúvida, André!
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É gratificante ter o aval de um dos papas do udigrudi brasuca, Tony...
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Informações e comentários pra lá de pertinentes, Lancelott.

Abraços gerais!